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Uma opinião contrarianista sobre o caso Assange

Muito está a se falar sobre o caso Assange, quase tudo dentro da velha cantilena do “outro mundo possível”, ou seja, acusações ideológicas disfarçada de fatos históricos e quase nenhuma análise da faceta jurídica da questão.

E é para essa faceta que nos chama a atenção o professor e diplomata Paulo Roberto de Almeida em um texto curto, mas que pode ser esclarecedor e além de um convite aberto para quem for profundo conhecedor da questão se manifeste com seu parecer.

O original pode ser lido aqui.

Asilo diplomático e "asilo" político: o caso Julian Assange

Por Paulo Roberto de Almeida

Minha modesta opinião, que não é a de um jurista, sobre o caso Julian Assange. Quem tiver uma outra opinião sobre o caso, e se ela for fundamentada, terei satisfação em publicar aqui.

Os países seguem, de forma muito diversificada, tratados internacionais aos quais subscreveram. O Equador pode até ser parte de tratados sobre asilo diplomático (geralmente no âmbito latino-americano), mas nada obriga o Reino Unido (RU) a seguir esses tratados. Outros tratados internacionais podem se aplicar em caso de ameaça grave à vida de alguém, mas não é isso que vem acontecendo com o sr. Julian Assange (JA), que até agora teve seus direitos inteiramente respeitados pela lei inglesa.

Nenhum tratado internacional obriga o Reino Unido a reconhecer o "asilo político" concedido em bases inteiramente políticas pelo Equador ao Sr. Julian Assange, demandado judicialmente pela Suécia e formalmente extraditado (ou extraditando) pela justiça do RU. Esgotaram-se os procedimentos de apelo, até a mais alta corte, e o que o governo do RU tem de fazer, em cumprimento a um tratado de extradição com a Suécia, é extraditar o JA para lá.

A decisão de não reconhecer o asilo político concedido pelo Equador, portanto, foi formalmente correta, uma vez que o JA não está sendo perseguido politicamente, e sim por outras acusações.

A Embaixada do Equador não decide nada, ela apenas recebe instruções de seu governo, que decidiu, politicamente, dar esse asilo político, que não é reconhecido pela lei inglesa. 

A Justiça inglesa ordenou ao executivo extraditar JA e portanto essa decisão tem de ser cumprida.

Se o governo inglês considerar que o governo do Equador está atuando contrariamente à lei do país, e ofendendo um dos princípios e dispositivos da Convenção de Viena das Relações Diplomáticas, ele pode, mediante comunicado em forma de nota diplomática, informar ao governo do Equador que está retirando os privilégios diplomáticos dessa embaixada -- ou seja, retirando a imunidade diplomática, como a extraterritorialidade de representação -- e simplesmente ordenar que seus agentes entrem na Embaixada e capturem o fugitivo.

O Equador pode até protestar na ONU contra essa "violação", mas ele teria sido alertado antes que está violando a lei no RU.

O próprio Equador pode ser acusado pelo RU de ter interferido em decisões soberanas de justiça, extravasando seus direitos a conceder asilo a um indivíduo que não estava sendo perseguido politicamente.

As relações entre os dois países vão se deteriorar, mas o guia correto para analisar essa questão é a aderência de cada um dos países ao direito internacional. Até aqui o RU vem seguindo escrupulosamente o que lhe dita sua ordem legal, e suas obrigações internacionais. O Equador, ao contrário, tem agido politicamente, e isso não contribui para o próprio respeito à lei no plano nacional e internacional.

Paulo Roberto de Almeida

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