Pular para o conteúdo principal

O mundo não é tabuleiro de xadrez ou “They are human beings, stupid!”

Algo tem me preocupado nas intervenções feitas pelos estudantes de Relações Internacionais que leio nas redes sociais. Não é o simplismo dos argumentos, posto que o ambiente dessas redes acabe por nos empurrar a isso, é uma espécie de efeito Twitter que inconscientemente ou não, nos faz tentar escrever o mínimo possível. O que me preocupa é uma aparente (com ênfase no aparente) falta de dimensão humana nas análises de nossos jovens, mesmo os mais utópicos e cheios de preocupações sociais.

homemvitruviano

Aqui faço um breve parêntese, o leitor mais contumaz dessa página deve estar a sentir falta de análises sobre os acontecimentos no sistema internacional. Bom, eu também. Contudo, tempo tem me faltado para a pesquisa e, sobretudo para reflexão acerca dessa temática. Espero, entretanto, retomar essas análises o mais rápido possível.

Vejo uma tendência em nossos jovens de considerar o mundo de maneira abstrata demais, ou seja, falam das diversas políticas externas possíveis ou não, como se essas estivessem dissociadas de conseqüências bem reais.

É fato que grande parte do treinamento de um analista de relações internacionais é feito para que ele teça análises objetivas (que é quase um sinônimo para frias e desapegadas), que considere o macro ao observar o sistema como um todo e o micro nas idiossincrasias dos tomadores de decisão e tudo que há no meio disso, mas não se pode esquecer-se da responsabilidade para com os seres humanos.

É comum, por exemplo, que se defenda uma maior participação do Brasil nos assuntos internacionais e a obtenção da cadeira permanente no Conselho de Segurança, sem atinar que isso necessariamente passa por colocar nossos soldados em caminhos perigosos. Sim, eu sei que os guerreiros da nação são treinados para isso e é bem provável que alguns até anseiem por ação, mas é nosso dever levar em conta o sangue deles antes de fazer a defesa escancarada de ações violentas.

Pior ainda é adesão rígida a esquemas ideológicos a ponto de considerar que países são apenas peças num tabuleiro geopolítico. Não se pode esquecer que Estados abrigam e são responsáveis por vidas.

Como pode alguém condenar a violência sofrida diariamente pelos palestinos e não condenar a violenta repressão dos dissidentes iranianos?

Como pode alguém denunciar a violência dos paramilitares e do estado colombiano e se calar diante da violência das FARC?

Como pode que quem se indigna com os efeitos colaterais dos ataques de drones americanos no Paquistão, relativize um homem bomba num ônibus londrino?

Como pode alguém só chorar pelos prisioneiros de Guantánamo e não com os detidos sem direito a defesa no resto da ilha?

Só mesmo a adesão cega a esquemas ideológicos pode justificar essa inconsistência lógica, que nos autoriza a pensar que não lamentam pelos mortos, mas apenas os instrumentalizam para usar em suas causas.

Todos nós temos preferências ideológicas e afinidades que nos afetam em nossas escolhas e premissas básicas, o famoso eixo axiológico do historiador da ciência Gerald Holton. O jeito de contrabalançar isso é tanto conhecido como complicado que é trabalhar com atenção nos outros dois eixos: o eixo fenomênico que trata dos fatos e dados empíricos que temos e o eixo analítico que é o rigor lógico com que tratamos esses fatos na construção de nossas hipóteses de trabalho e teorias.

Espero que fique patente que não é a discordância com pontos de vistos alheios que me leva a escrever isso, mas sim a falta de coerência lógica dos argumentos amplificada pelo ar de superioridade com que são feitas tais declarações, sempre revestidas pela aura supostamente benévola de um antiimperialismo, que de algum modo suspira a falta de um império soviético. Então, não seria a opressão imperialista aos indivíduos o motivador do desconforto, mas opressão imperialista errada.

Agora você leitor pode concluir que uma das particularidades axiológicas desse autor é forte noção de responsabilidade ante as conseqüências reais de seu pensamento? Ou pode achar que quero ser a “palmatória do mundo”?

A meu ver esse texto é um chamamento a reflexão solitária sobre os fundamentos de nossos pressupostos. Mas, como sempre cada um conclui o que quer.

_____________

P.S: Prevendo algumas críticas a segunda frase do título é uma adaptação de um famoso episódio da vida política dos EUA.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Sobre a política e suas narrativas por Creomar de Souza

A gravidade do momento político e econômico que o Brasil atravessa exige do cidadão contemplar alternativas e avaliar os argumentos das diversas correntes de opinião, nesse afã publico aqui com autorização expressa do autor um excelente texto sobre as narrativas em disputa mais acirrada pela condução coercitiva do ex-presidente Lula. Creomar de Souza (professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília) é uma das mais sensatas vozes desse país e um analista de uma serenidade ímpar. Leiam e reflitam. Ainda há intelectuais em Brasília. Sobre a política e suas narrativas Por Creomar de Souza Escrevo este texto sob o impacto imagético da entrada da Polícia Federal do Brasil na casa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O desdobramento da Operação Lava Jato em mais uma fase – relembrando um antigo sucesso dos videogames – e em mais um batismo – de fazer inveja a qualquer marqueteiro bem sucedido da Avenida Paulista – trazem à bai...

Ler, Refletir e Pensar: The Arab Risings, Israel and Hamas

Tenho nas últimas semanas reproduzido aqui artigos do STRATFOR (sempre com autorização), em sua versão original em inglês, ainda que isso possa excluir alguns leitores, infelizmente, também é fato mais que esperado que qualquer um que se dedique com mais afinco aos temas internacionais, ou coisas internacionais, seja capaz de mínimo ler em Inglês. Mais uma vez o texto é uma análise estratégica e mais uma vez o foco são as questões do Oriente Médio. Muito interessante a observação das atuações da Turquia, Arábia Saudita, Europa e EUA. Mas, mostra bem também o tanto que o interesse de quem está com as botas no chão é o que verdadeiramente motiva as ações seja de Israel, seja do Hamas. The Arab Risings, Israel and Hamas By George Friedman There was one striking thing missing from the events in the Middle East in past months : Israel. While certainly mentioned and condemned, none of the demonstrations centered on the issue of Israel. Israel was a side issue for the demonstrators, with ...