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Ler, Refletir e Pensar: O que seria estratégico no comércio e desenvolvimento? Por Paulo Roberto de Almeida

Já ficou claro nessa página que tenho muitas concordâncias com o professor e diplomata Paulo Roberto de Almeida e não tenham dúvidas é um prazer chamá-lo de amigo. Uma das facetas que mais admiro no professor é sua verve iconoclasta.

Abaixo vai um texto que é um comentário feito a um comentário no blog do professor que é praticamente uma aula de economia política e mais que isso é uma aula de ver além das versões oficiais.

É de um debate franco e honesto sobre esses temas que o país necessita, mas cada vez menos creio que o faremos.

O texto abaixo foi transcrito com autorização do autor e seu original pode ser lido aqui.

O que seria estratégico no comércio e desenvolvimento? Comentando um comentário.

Por Paulo Roberto de Almeida

Acabo de receber o seguinte comentário a um dos meus posts:

[...] deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Reflexoes ao leu, 3: Diplomacia comercial brasilei...": 

Paulo, os EUA são um de nossos principais parceiros comerciais há décadas. A diversificação de parceiros comerciais e a relutância em aceitar uma zona de livre comércio com os americanos, me parece, até intuitivamente, estratégico para o nosso desenvolvimento sustentado. O exemplo mexicano é, sim, paradigmático. Como tu mesmo reconheces, precisamos resguardar-nos, seja da China, seja dos EUA. Tanto um quanto outro serão importantes nas relações bilaterais brasileiras, sempre, mas não podemos comprometer nosso desenvolvimento em troca de acordos que possuem riscos tão altos. Paranóia? Pode ser... Mas gato escaldado...

Meus comentários (PRA) ao que vai acima:

Bem, ninguém disputa o fato de que, desde meados do século XIX aproximadamente, quando os EUA passaram a comprar a metade do nosso café, aquele país é um dos principais parceiros comerciais do Brasil. Não só comercial, pois a relação abarca inúmeros outros aspectos, talvez até mais importantes -- tecnologia, finanças, cultura, ciência, etc, mas é o comércio que sustenta tudo isso -- e de certa forma mais equilibrada do que a relação com os europeus, por exemplo, bem mais padrão Norte-Sul.

A China pode até ser atualmente nosso principal parceiro COMERCIAL, pela magnitude dos intercâmbios, mas ninguém disputará o fato, provavelmente lamentável, de ser uma relação tremendamente DESEQUILIBRADA, com 95% de matérias-primas para lá (na verdade, cinco ou seus produtos primários, apenas) e 95% de manufaturas para lá.

Mesmo que os EUA ainda percam posições, eles SEMPRE vão constituir um parceiro relevante, com uma enorme diversidade de intercâmbios, o que nos é extremamente favorável, mesmo com déficits aqui e ali.

Mercado é mercado, interno, externo, branco, preto, desenvolvido ou emergente, isso não importa, portanto diversificação sempre é bom, e isso depende dos empresários, basicamente, e um pouco do governo, em matéria de prospecção, promoção comercial, etc. Por isso, falar em "nova geografia" é uma mistificação: todas as geografias são possíveis, desejáveis e até mesmo necessárias, e não cabe, absolutamente, promover apenas comércio com o Sul, em detrimento de esforços semelhantes com países desenvolvidos, que tem mercados consolidados, remuneradores, isentos de calotes, etc.

Por isso, a tal de "nova geografia do comércio internacional", patrocinada pela dupla Lula-Amorim, nada mais era do que uma empulhação, uma mistificação, uma tremenda enganação, até em detrimento dos interesses brasileiros, pois que significando um foco exclusivo em países do Sul. Isso, além de tudo, é burro, é estúpido, e até mesmo criminoso, com respeito a um comércio em todas as direções, sobretudo garantindo acesso e consolidação de comércio com países solváveis.

O que ocorreu na versão anterior do comércio Sul-Sul (dos anos 1970)?

Fizemos tremendos esforços, oferecemos créditos generosos (já que não havia linhas comerciais com esses países), apenas para sermos caloteados pouco depois, e ficarmos durante anos e anos renegociados créditos não pagos no Clube de Paris. Um tremendo prejuízo para o país, ou seja, para nós, contribuintes brasileiros, que pagamos a conta.

Assim como é estúpido o tal "programa de importação substitutiva de importações", imposto pela mesma dupla, numa outra demonstração de generosidade com o nosso dinheiro. Ora, os países, os fabricantes, os comerciantes, fazem comércio com base em interesses concretos, mercados, lucro, ganhos substantivos, não por simpatia ou interesses políticos. Ninguém importa de ninguém apenas para fazer favor ao ofertante estrangeiro, apenas porque vai vender no seu mercado doméstico. No máximo o governo pode gastar o nosso dinheiro para promover os nossos produtos lá fora, não para convencer os nacionais a comprar produtos estrangeiros.

Isso, além de estúpido, mais uma vez, é gastar o nosso dinheiro com generosidades indevidas, uma tremenda empulhação, e um gasto criminoso. Quem quiser vender, que faça esforços, quem quiser importar, que o faça a sua conta e risco, não com o nosso dinheiro.

Voltando ao comentário acima, eu sinceramente não concordo: 

"relutância em aceitar uma zona de livre comércio com os americanos, me parece, até intuitivamente, estratégico para o nosso desenvolvimento sustentado."

O que pode haver de estratégico numa relutância? 

Não vejo absolutamente nada. Pode haver estratégia numa ação determinada, mas a recusa de fazer algo é apenas isso: omissão, não ação. Nunca se saberá o que poderia ocorrer, de estratégico ou não.

Ou pode-se até imaginar: mais concorrência, mais produtos, mais investimentos, maior escala de mercados, maior integração com o mundo, menos barreiras, enfim, globalização, ainda que de forma restrita, pelo comércio preferencial com apenas um grande parceiro, e com todos os demais parceiros do hemisfério, aliás.

O que pode haver de estratégico na recusa disso tudo?

Eu não vejo absolutamente nada, só temor, paranóia, relutância, justamente, em se ter mais concorrência.

Industriais protecionistas podem até gostar, mas não entendo como consumidores livres poderia apreciar isso.

E não tem nada a ver com desenvolvimento sustentado. Isso é conceito vazio. Comércio é comércio, ponto. Pode até ajudar um pouco no desenvolvimento, mas não é isso que desenvolve um país, e sim transformação produtiva, inovação tecnológica, educação, infraestrutura, créditos, juros baixos, boa governança, baixa corrupção, etc, coisas que pode até ser facilitadas pelo comércio, mas que dependem muito mais de outras ações internas, sobretudo estabilidade macroeconômica e competição microeconômica.

O medo dos EUA me parece infantil, e até estúpido, se me permitem a expressão.

O exemplo do México é paradigmático?

Absolutamente não. Ele só serve para o México, nem para o Canadá, que também tem "dependência" -- como gostam de dizer certos ingênuos -- das relações com os EUA (e não poderia ser de outro modo).

O Uruguai tem o mesmo tipo de "dependência" dos mercados do Brasil e da Argentina, a Bélgica da França e da Alemanha.

Sim, e daí?

O que isso importa? 

Comércio é comercio, e o fato de o México estar concentrado nos EUA é problema dele, não nosso. Que os empresários e o governo procurem outros mercados, o que não me parece proibido pela vizinhança americana. Se eles se acomodam numa relação de "dependência", problema deles...

Tampouco concordo com isto aqui: 

“Como tu mesmo reconheces, precisamos resguardar-nos, seja da China, seja dos EUA.”

Não reconheço absolutamente nada, e acho simplório isso: resguardar do que? Vão nos invadir, vão nos obrigar a importar deles, exclusivamente?

Não sejamos ridículos, o comércio é feito pelo setor privado para fazer lucro, não para ser bonzinho com americanos ou chineses.

E se compramos mais deles, é porque vende aqui (ou seja, é mais barato ou de melhor qualidade do que a oferta interna), não porque queiramos deixá-los ricos e satisfeitos.

Volto a repetir: o rabo do comércio NÃO consegue abanar o cachorro do desenvolvimento. Ou fazemos desenvolvimento por muitas outras políticas, ou nunca conseguiremos crescer só pelo comércio, inclusive porque permanecemos GENETICAMENTE PROTECIONISTAS, agora agravados por políticas ainda mais estúpidas e de duvidosa legalidade no Gatt-OMC.

Paranóia? Sim existe, mas eu não tenho...

Paulo Roberto de Almeida

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