Esse é 124º quarto aniversário da famosa assinatura da Lei Áurea, pela Princesa Isabel atuando em nome de seu pai, o imperador D. Pedro II. O fim da escravidão, ainda que não tenha resolvido as questões raciais, botou fim a “mancha de Caim” que depreciava a sociedade brasileira.
Como vocês sabem costumo escrever sobre a liberdade no 13 de maio, posto que é seu significado máximo. E quando estava a refletir sobre isso e tentando ordenar as idéias, li um tuíte provocação de um amigo que perguntava se a generalizada omissão ao 13 de maio seria por que não é politicamente correto falar da abolição.
De certo, essa provocação tem seu eco nos recente debates sobre a situação racial no Brasil, que foram muito mal-conduzidos e se deram, a meu ver, longe do lócus adequado que deveria ser o Congresso Nacional, que mais uma vez se omitiu de tema importante, para depois lamentar-se de um suposto ativismo judiciário.
Nem sempre o legislativo se esquivou da temática racial, exemplos notórios são a aprovação da Lei Áurea (Lei nº 3353, de 13 de maio de 1888) ainda nos tempos do império e a Lei Afonso Arinos (Lei nº 1390, de 3 de julho de 1951).
Pois bem, esse desvio me fez pensar numa personagem importantíssima para a causa abolicionista brasileira que é Joaquim Nabuco, que atuou com especial destaque na década derradeira desse movimento social. Joaquim Nabuco – como nós sabemos – além de político foi grande historiador e literato. Tendo sido membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e Secretário-Geral vitalício da Academia Brasileira de Letras, da qual um dos fundadores.
Obviamente qualquer um que seja amante da liberdade no Brasil tem de reconhecer o papel de Nabuco e como amante da liberdade não precisa concordar com tudo que o homem pensava. É bastante controversa, embora admirável pela coragem, a defesa que ele fazia do regime monárquico.
Essa digressão toda me trouxe a pensar em liberdade, que é a temática que julgo apropriada para o dia de hoje e Nabuco foi inevitável lembrar-me do prefácio que ele escreveu de seu livro “O abolicionismo” publicado em 1883. Que abaixo reproduzo da edição feita pelo Senado Federal, em 2003.
É sempre necessário ter um olhar histórico sobre as questões e não esquecer que a Lei Áurea não foi um ato de voluntarismo da Princesa Isabel e sim uma peça legislativa aprovada por aclamação nas duas casas do parlamento brasileiro e uma causa popular que conseguiu adesões de peso como da Igreja Católica, em 1887. E que províncias como a do Ceará e Amazonas já em 1884 haviam abolido a escravatura em suas circunscrições.
Já escrevi em outros textos aqui nesse blog que devo a todos que lutaram por essa liberdade que é hoje compreendida como direito fundamental do homem ser livre, isto significa que não posso temer expressar as opiniões que tenho sobre os meus assuntos de interesse e campo de dedicação profissional, ainda que isso cause a repulsa de alguns que não são acostumados com o dissenso e nem têm os valores democráticos internalizados.
Resta, contudo, a pergunta provocação de meu amigo arquiteto e professor da UnB, Pedro Palazzo: “Virou politicamente incorreto lembrar que hoje é aniversário da Abolição?”
Abaixo o texto de Nabuco, um feliz dia das mães a quem for de direito.
Prefácio ao Livro O Abolicionismo
Joaquim Nabuco
JÁ EXISTE, felizmente, em nosso país, uma consciência nacional – em formação, é certo – que vai introduzindo o elemento da dignidade humana em nossa legislação, e para a qual a escravidão, apesar de hereditária, é uma verdadeira mancha de Caim, que o Brasil traz na fronte.
Essa consciência, que está temperando a nossa alma, e há de por fim humanizá-la, resulta da mistura de duas correntes diversas: o arrependimento dos descendentes de senhores, e a afinidade de sofrimento dos herdeiros de escravos.
Não tenho, portanto, medo de que o presente volume não encontre o acolhimento que eu espero por parte de um número bastante considerável de compatriotas meus, a saber: os que sentem a dor do escravo como se fora própria, e ainda mais, como parte de uma dor maior – a do Brasil, ultrajado e humilhado; os que têm a altivez de pensar – e a coragem de aceitar as conseqüências desse pensamento – que a pátria, como a mãe, quando não existe para os filhos mais infelizes, não existe para os mais dignos; aqueles para quem a escravidão, de gradação sistemática da natureza humana por interesses mercenários e egoístas, se não é infamante para o homem educa do e feliz que a inflige, não pode sê-lo para o ente desfigura do e oprimido que a sofre; por fim, os que conhecem as influências sobre o nosso país daquela instituição no passado, e, no presente, o seu custo ruinoso, e prevê em os efeitos da sua continuação indefinida.
Possa ser bem aceita por eles esta lembrança de um correligionário ausente, mandada do exterior, donde se ama ainda mais a pá tria do que no próprio país – pela contingência de não tornar a vê-la, pelo trabalho constante da imaginação, e pela saudade que Garrett nunca teria pintado ao vivo se não tivesse sentido a nostalgia – e onde o patriotismo, por isso mesmo que o Brasil é vis to como um todo no qual homens e partidos, amigos e adversários se confundem na superfície alumiada pelo sol dos trópicos, parece mais largo, generoso e tolerante.
Quanto a mim, julgar-me-ei mais do que re compensado, se as sementes de liberdade, direito e justiça, que estas páginas contêm, derem uma boa colheita no solo ainda virgem da nova geração; e se este livro concorrer, unindo em uma só legião os abolicionistas brasileiros, para apressar, ainda que seja de uma hora, o dia em que veja mos a Independência completa da pela abolição, e o Brasil elevado à dignidade de país livre, como o foi em 1822 à de nação soberana, perante a América e o mundo.
Londres, 8 de abril de 1883.
JOAQUIM NABUCO
Fonte: NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Senado Federal, Brasília, 2003. pp 23-24. [Disponível para download gratuito aqui]
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