Pular para o conteúdo principal

Ler, Refletir e Pensar: O tempo dos outros, por Francisco Seixas da Costa

O texto abaixo trata das eleições francesas, mas nem tanto sobre as eleições, mas sobre como construir essas análises, tendo em vista a necessidade do cliente, no caso do embaixador seus superiores nas Necessidades. E essa é uma lição que os alunos de RRII precisam aprender, urgentemente.

Francisco Seixas da Costa é embaixador português, em França e mantém um blog bastante divertido que sou leitor ávido. O embaixador possui uma clara verve literária e escreve deliciosas histórias que permitem um vislumbre da vida diplomática.

Não o texto não é uma aula, mas como disse acima é um vislumbre. Espero que meus leitores estejam na categoria dos bons entendedores.

O texto abaixo é transcrito, com autorização do autor, tal qual o original, que pode ser lido aqui.

O tempo dos outros

Por Francisco Seixas da Costa

O título deste post é o de um livro de Adriano Moreira, publicado nos anos 60 do século passado.

(Recordo-me de o ter utilizado como epígrafe equívoca de um artigo em "A Voz de Trás-os-Montes", em outubro de 1969, quando a Oposição democrática, que se opunha ao já então decadente marcelismo, aproveitava, com ansiedade, o estreito espaço de manobra pública que a censura da época lhe dava. Como um dos efémeros "porta-vozes" dessa mesma Oposição, em Vila Real, inundei o jornal de vários textos, até que a paciência do censor local, o capitão Medeiros, se esgotou e fui finalmente privado dessa tribuna, para aberto desagrado do diretor do jornal, (o então padre) Henrique Maria dos Santos*).

Lembrei-me deste título hoje, a propósito da imensa curiosidade com que o corpo diplomático acreditado em Paris acompanha as declarações dos responsáveis que a candidatura de François Hollande, o principal "challenger" do atual presidente, mantém para os vários setores governativos, em caso de vitória. Neste tempo que, segundo muitas sondagens, poderá vir a ser por aqui "o tempo dos outros", é importante podermos garantir às nossas autoridades uma previsão daquilo que uma possível nova administração pode vir a fazer, se acaso o resultado das urnas lhe vier a ser favorável. O respeito que é devido aos poderes instituídos, bem como à possibilidade de serem reconduzidos, pela livre expressão da vontade dos franceses, não deve nem pode limitar o nosso interesse e legitimidade em estarmos preparados para todas as eventuais alternativas. 

Com alguma ironia - sem a qual de há muito não sei viver -, costumo dizer que, basicamente, só há três circunstâncias em que os embaixadores têm por certo que as suas comunicações são lidas, com algum interesse, nas respetivas capitais: quando há crises nas relações bilaterais, quando há golpes de Estado nos países onde estão acreditados ou quando há localmente eleições marcadas por algum grau de indecisão quanto aos resultados. No dia de hoje, não sendo embaixador espanhol em Buenos Aires, nem estando na ingrata posição do meu colega em posto em Bissau, resta-me assumir o popular risco de opinar sobre a campanha presidencial francesa - na esperança, quiçá vã, de alguns dentre quantos me leem em Lisboa não tendam a dar mais crédito ao que, sobre o tema, vão escrevendo o "Financial Times", o "International Herald Tribune" ou mesmo o "Le Monde".

Em tempo: um comentador informou que Henrique Maria dos Santos faleceu em 13 de abril, quatro dias antes deste post em que eu falava da sua louvável abertura de espírito, nesses tempos complexos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Empregos em RI: Esperança renovada

“A esperança não é nem realidade nem quimera. É como os caminhos da terra: na terra não havia caminhos; foram feitos pelo grande número de passantes.” Lu Hsun. In “O país natal”. O tema empregabilidade domina os e-mails que recebo de leitores e os fóruns dedicados a relações internacionais. Não por acaso deve haver pelo menos 30 textos dedicados ao tema nesse site. E sempre tento passar minha experiência e as dos meus amigos que acompanho de perto. O tema sempre volta, por que sejamos francos nos sustentar é algo importante e vital se me permitirem essa tautologia. Pois bem, no próximo dia 19 de novembro ocorrerá uma grande festa que encerrará os festejos de 15 anos de existência do Curso de graduação em Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília. E como parte dos preparativos para essa data temos empreendido um esforço para “rastrear” todos os egressos de nosso curso. Nesse esforço temos criado uma rede de contatos e o que os dados empíricos me mostram é um tes...

Ler, Refletir e Pensar: Libya's Terrorism Option

Mais um texto que visa nos oferecer visões e opiniões sobre a questão da Líbia que é sem sombra de duvida o assunto mais instigante do momento no panorama das relações internacionais. Libya's Terrorism Option By Scott Stewart On March 19, military forces from the United States, France and Great Britain began to enforce U.N. Security Council Resolution 1973 , which called for the establishment of a no-fly zone over Libya and authorized the countries involved in enforcing the zone to “take all necessary measures” to protect civilians and “civilian-populated areas under threat of attack.” Obviously, such military operations cannot be imposed against the will of a hostile nation without first removing the country’s ability to interfere with the no-fly zone — and removing this ability to resist requires strikes against military command-and-control centers, surface-to-air missile installations and military airfields. This means that the no-fly zone not only was a defensive measure...