Um contrato é por definição o resultado do acordo de vontades de seus contratantes e que quando feito de boa-fé se pressuposto de que todas as partes conhecem e aceitam as condições estipuladas.
Quando um contrato e/ou acordo é estipulado por um Estado soberano, esse estado passa a ser interessado na aprovação desse pelos trâmites de internalização – conhecido como ratificação – que pressupõe aprovação pelo Congresso Nacional.
Nesses últimos dias o adimplemento de uma série de compromissos que o Estado brasileiro assumiu com a FIFA – a poderosa e opaca Associação das Federações de Futebol, tem provocado um intenso debate na imprensa esportiva, na sociedade e no próprio legislativo.
Como é comum nesses processos com grande repercussão midiáticas os políticos decidem se enrolar na bandeira, no que alguns chamam de crise ‘soberanitite’ e passam a vociferar contra supostas imposições estrangeiras. O discurso é sedutor e sempre ganha muito eco nos meios de comunicação.
Está claro pelo título que falo da liberação ou não do consumo e propaganda de cerveja nos estádios da Copa do Mundo FIFA 2014, que será sediada no Brasil. O assunto é apontado como o fator responsável pela não-aprovação até agora da Lei Geral da Copa, uma peça de legislação que oferece proteções legais às marcas e patentes dos patrocinadores e garantias que eles terão a visibilidade necessária e proteção contra algumas ações de Marketing de emboscada, medidas comerciais e algumas imunidades tarifárias para a FIFA.
O pacote todo é bem controverso, é preciso admitir, afinal proteção a patentes implica em impedir, por exemplo, que donos de pequenos bares usem sem licença (ou seja, sem pagar) as marcas da Copa do Mundo, mas também impede que empresas se valham de dizer que são patrocinadoras sem ser.
A questão das isenções e imunidades fiscais mereceria uma análise mais profunda da opinião pública (e talvez eu teça algumas considerações no futuro), contudo é o tema cerveja que se tornou o grande debate. Ao ler alguns jornalistas esportivos e debatedores nas redes sociais se fica com a impressão de que um copo de cerveja na mão de um torcedor no estádio corresponde a maior afronta a honra brasileira desde sempre.
Afinal, é um ultraje que uma organização não-governamental como a FIFA ditar regras a um país como o Brasil que ascendeu ao posto de sexta maior economia do mundo. Contudo, é preciso ter algumas coisas em mente, como o fato do governo saber que a Inbev (companhia Belgo-brasileira) era a patrocinadora principal da Copa do Mundo e que por isso a FIFA insistiria em dar publicidade e venda exclusiva de seus produtos nos locais de competição e nas chamadas fanzones e que isso constava nos encargos acordados.
E aqui vai uma pergunta não seria a assunção de compromissos uma manifestação de vontade soberana?
Claro, que o Congresso tem autonomia para não aprovar esse item e proibir a venda de cervejas nos estádios e até sua publicidade, mas toda ação gera uma reação e a reação seria a inviabilidade de executar a Copa do Mundo.
Há uma noção que a venda de bebidas alcoólicas violaria o celebrado Estatuto do Torcedor. A redação desse Estatuto (que também é conhecido como Lei nº 10.671 de 15 de maio de 2003) é ambígua no que diz respeito ao Art. 13, que diz:
Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
[...]
II - não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
Fonte: Casa Civil, aqui.
O brasileiro consome, em média, 47 litros per capita de cerveja anualmente, em valores absolutos são consumidos no Brasil 10,3 bilhões de litros isso quer dizer que é socialmente e culturalmente endógeno o consumo de cerveja. (Fonte, aqui)
Não ignoro o papel das bebidas alcoólicas e das drogas ilícitas (quem já freqüentou estádio sabe que o cheiro de maconha é comum) nos enfrentamentos entre torcedores que é uma chaga no país e deve ser combatida.
Contudo, é claro que há condições especificas de uma Copa do Mundo, não é mesmo?
Primeiro é um evento global, feito para um público global. E boa parte desse público tem o habito de beber antes, durante e depois de eventos esportivos (inclusivo os brasileiros).
Segundo é que o público não é o mesmo dos estádios em jogos nacionais. (embora haja problemas com hooligans é bem menor o volume do que num grande clássico local)
Terceiro é que o preço cobrado por copo de cerveja nos locais de competição muito provavelmente será um desestimulo ao consumo.
Com isso tudo em mente pergunto a vocês liberar ou não a venda de cervejas é o que mais te preocupa acerca da Copa do Mundo? A eventual não venda de cervejas nos estádio impedirá que torcedores já cheguem bêbados aos estádios? Haverá legado de mobilidade urbana e aeroportos? E a soberania nacional se ofende ao respeitar um compromisso assumido pelo país?
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