Fernando Pessoa, o magistral poeta português – da língua portuguesa, na verdade – escreveu certa vez que todas as cartas de amor são ridículas e como tem razão o velho poeta, afinal todas as emoções extremadas nos afastam do equilíbrio que pretendemos ter.
Mas, o que motiva esse texto não são os prazerosos devaneios do amor, mas a dura realidade das relações internacionais. Deparei-me com um tópico de debate num grupo do Facebook sobre a ação da OTAN na Líbia cuja autora definia a ação de maneira irônica numa linguagem militante comunista que em certo ponto exaltava o nome de figuras como Lênin.
O tópico como naturalmente seria passou a discorrer sobre a Síria e num tema tão polarizador não provoca nenhuma espécie o fato da discussão ter se tornado mais aguda. Eu consigo entender estrategicamente o porquê da Rússia e da China terem bloqueado o projeto de resolução sobre a Síria. O que eu não consigo entender é por que tantos nas redes sociais se dedicam a defender de maneira tão aguerrida regimes ditatoriais?
É claro, que eu sei que essa defesa decorre de cegueiras ideológicas, propensões conspiratórias e em alguns casos apenas ignorância dos fatos em jogo. No entanto, não consigo esquecer que a menos de uma geração atrás nós vivíamos sob o julgo de regime de exceção. E, de certo modo muitas feridas desse período opressivo ainda estão abertas e nem falo só dos torturadores que gozam de sua anistia, mas falo das relações políticas e de um fascínio, quase fetiche com o poder do estado que temos como sociedade aqui no Brasil, além de outros tantos aspectos que os sociólogos e cientistas políticos se debruçam.
Quando me refiro a cegueira ideológica é por que só sendo muito crente no altar secular do marxismo para achar que vale a pena viver do modo que vivem os cubanos ou norte-coreanos. Há, também, um utilitarismo cínico de quem acha que por que um regime se declara ou age contra os interesses dos EUA deve ser apoiado não importando como ele é constituído e como ele mantém o cabresto de seu próprio povo. Esse utilitarismo é particularmente cruel com os opositores locais ao regime que são vistos como traidores pelos membros do regime e execrados por pessoas que vivem a milhares de quilômetros, em um regime liberal que negam a esses opositores. É como aquelas populações fossem peças inertes de xadrez, peões que podem ser sacrificados em nome da causa.
Imagino que para esses animados debatedores diante da suposta conspiração sionista-ocidental a perda de algumas liberdades burguesas – que seriam ilusórias – seria algo menor e que inaceitável, mesmo, seria não apoiar quem trava a “boa luta”, luta antiimperialista, que finalmente subjugará o nefasto capital. Assim aplaudem entusiasmadamente homens como Lênin, Mao, Tito, Stálin, Pol Pot, Kadafi e tantos outros. E aplaudem também os aspirantes mesmo os mais irracionais como Chávez. Imagino se eles seriam como Parsons, o vizinho de Winston Smith – personagem principal do romance 1984, de George Orwell – e ficariam orgulhosos de seus filhos que o denunciaram a polícia por ter cometido um “crimidéia”, ou seja, tão fanático que se orgulha de seus filhos serem melhores revolucionários que ele.
O leitor mais atento notou que coloquei apenas ditadores esquerdistas na lista acima e deve estar se perguntando se eu não estou a ser hipócrita criticando os apoiadores de ditaduras de esquerda e me reservando alguma manobra retórica para não elencar os de direita. Pois, fique tranqüilo eu vejo todo regime que cerceia a liberdade individual como igualmente nefasto. Não é por que Pinochet tenha acertado em algumas políticas macroeconômicas que seu governo passa a ser virtuoso e que os mortos que produziu passam a ser justificáveis, eu não vou usar avanços sociais pra justificar um regime autocrático.
Diante de fatos como a proibição de novelas e músicas no Brasil, uma classificação para semifinal da Copa do Mundo de futebol em troca do assassinato de presos políticos como fizeram Argentina e Peru, em 1978, da proibição de Shows do Iron Maiden, no Chile, da negativa de viagem a uma blogueira, em Cuba, do pranto coletivo obrigatório, na Coréia do Norte, na prisão do artista que concebeu seu maior ícone olímpico, na China. Só posso evocar e parafrasear Fernando Pessoa, todas as ditaduras são ridículas.
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