Pular para o conteúdo principal

Guerra das Malvinas ou sobre uma tarde quente

Esse ano a Guerra das Malvinas completa 30 anos e o contexto interno da Argentina tem empurrado o governo platino a ser mais incisivo em sua busca por soberania no rochoso arquipélago. O envio do príncipe Willian para um treinamento militar nas ilhas serviu para motivar ainda mais os argentinos em sua reivindicação.

Muito ainda se irá escrever sobre a guerra e suas conseqüências, – entre elas o desejo férreo da Marinha do Brasil de possuir submarinos nucleares – sobre a justeza ou não da causa argentina, sobre o direito de autodeterminação dos que há muitas gerações habitam as ilhas.

Mas, hoje – por motivos pessoais – não quero escrever sobre essa espinhosa questão pela ótica da reflexão estratégica ou política, gostaria de partilhar uma pequena história com vocês.

No início dos anos 2000, talvez em 2002, estive em Buenos Aires para participar de um breve curso, apesar de não ser a primeira vez que ia aquela cidade, decidi por fazer o velho circuito turístico que inclui a famosa “Casa Rosada”, Plaza de Mayo, Av. 9 de Julio, Calle Florida.

Ao final da Calle Florida se encontra uma praça ampla em homenagem ao libertador da Argentina, General San Martin, nessa praça há como deveria ser dado seu nome uma bela estátua do general em uma pose heróica, nessa praça também está localizado o “Monumento a los caídos en Malvinas”, o monumento tem um desenho sóbrio obviamente inspirado no monumento aos mortos no Vietnã, o ambiente não possui a formalidade que deveria se ter num local como esse, mas ao mesmo tempo é interessante ver jovens, crianças, turistas aproveitando a praça passa uma sensação de paz e de que a loucura da guerra não nos priva de toda a nossa humanidade.

O monumento é dramaticamente colocado de frente a praça Forza Aérea Argentina, antiga praça britânica de frente a icônica Torre Monumental, que muitos ainda se referem pelo nome que carregava quando fora inaugurada em 1916, torre dos ingleses.

Contudo, naquela tarde quente, em que o sol inclemente fustigava a pele dos que se arriscavam fora das frondosas sombras das árvores locais, um homem roubou minha atenção ele estava parado, cismando em frente a uma das placas de mármore negro onde estão inscritos os nomes dos mortos, e com a mão acariciava os nomes.

Não conseguia não olhar aquele homem. Seria ele um ex-combatente, honrando seus companheiros mortos? Estaria ele pranteando um pai, um irmão caído?

O estóico sofrimento daquele homem diante daquele memorial foi algo que atingiu como uma pedra, foi a primeira vez que vi o impacto real que uma guerra tem na vida das pessoas – mesmo 20 anos depois, como era o caso na época – entendam eu tinha ciência dos horrores e do sofrimento dos que lutam, por meio de relatos, documentários, filmes e livros, mas a visão daquele senhor ficou pra sempre associada ao conflito das Malvinas/Falklands.

Com essa imagem gravada em minha cabeça, só posso esperar que os líderes políticos argentinos tenham entendido que a guerra não é apenas a continuação da política por outros meios e que talvez aquele arquipélago nunca faça parte do território argentino.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Sobre a política e suas narrativas por Creomar de Souza

A gravidade do momento político e econômico que o Brasil atravessa exige do cidadão contemplar alternativas e avaliar os argumentos das diversas correntes de opinião, nesse afã publico aqui com autorização expressa do autor um excelente texto sobre as narrativas em disputa mais acirrada pela condução coercitiva do ex-presidente Lula. Creomar de Souza (professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília) é uma das mais sensatas vozes desse país e um analista de uma serenidade ímpar. Leiam e reflitam. Ainda há intelectuais em Brasília. Sobre a política e suas narrativas Por Creomar de Souza Escrevo este texto sob o impacto imagético da entrada da Polícia Federal do Brasil na casa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O desdobramento da Operação Lava Jato em mais uma fase – relembrando um antigo sucesso dos videogames – e em mais um batismo – de fazer inveja a qualquer marqueteiro bem sucedido da Avenida Paulista – trazem à bai...

Ler, Refletir e Pensar: The Arab Risings, Israel and Hamas

Tenho nas últimas semanas reproduzido aqui artigos do STRATFOR (sempre com autorização), em sua versão original em inglês, ainda que isso possa excluir alguns leitores, infelizmente, também é fato mais que esperado que qualquer um que se dedique com mais afinco aos temas internacionais, ou coisas internacionais, seja capaz de mínimo ler em Inglês. Mais uma vez o texto é uma análise estratégica e mais uma vez o foco são as questões do Oriente Médio. Muito interessante a observação das atuações da Turquia, Arábia Saudita, Europa e EUA. Mas, mostra bem também o tanto que o interesse de quem está com as botas no chão é o que verdadeiramente motiva as ações seja de Israel, seja do Hamas. The Arab Risings, Israel and Hamas By George Friedman There was one striking thing missing from the events in the Middle East in past months : Israel. While certainly mentioned and condemned, none of the demonstrations centered on the issue of Israel. Israel was a side issue for the demonstrators, with ...