Em geral o termo histórico é bastante abusado na imprensa e constantemente usado para eventos que ainda que sejam relevantes não tem o peso transformador que a palavra histórico carrega. Como sempre ressalto aqui o calor dos eventos é péssimo conselheiro para qualquer analista, mas nem sempre temos a oportunidade de maturar o entendimento e ter o necessário distanciamento para olhar os acontecimentos sem as paixões momentâneas.
Hoje se cumpriu o que estava previsto, a Autoridade Nacional Palestina, representada por Mahmoud Abbas, entregou ao Secretário Geral da ONU Ban Ki Moon o pedido de filiação do Estado Palestino. O discurso de Abbas foi dentro do que se espera de alguém que tem apoio da opinião pública mundial e simpatia da imprensa, ainda que parte de sua tática de comunicação seja dizer que sofre bloqueio da imprensa e perseguição dos grandes meios, isso funciona bem animando seus apoiadores no mundo todo, um exemplo do acerto do mecanismo de análise em redes das relações internacionais que embora tenha nos estados um ator relevante se foca nos elos entre estados e grupos de opinião pública que não respeitam ou mesmo conhecem fronteiras políticas e barreiras geográficas.
A verdade é que a “causa palestina” é atrativa, quem não quer ficar do lado da vítima? E de fato o sofrimento dos refugiados nos campos é atroz e uma indignidade para toda humanidade. Mas, como já nos ensinam os mecanismos de análise de relações internacionais a emoção não é aliada de quem busca entender cientificamente o mundo. Ainda que seja útil aos políticos, ativistas e ideólogos. Portanto, conclamo meus leitores a pensarem a questão sem se deixarem levar pelos discursos emotivos.
Escrevi aqui certa feita, com alguma ironia, que o Oriente Médio era o lar dos pacíficos, por que todos os atores da região sempre, sempre mesmo, dizem agir em nome do interesse da paz. Mas, é sempre uma paz intrasigente do tipo se eu tiver tudo do jeito que eu quero então não haverá mais problema. Não preciso dizer que esse pensamento de soma zero só pode nos levar a esse cenário de intransigência. E não ajuda o ambiente de negociação a existência de diversos atores interessados numa conflagração geral, ampla e na visão deles definitiva, quase de um jeito milenarista. E não é coincidência que esses grupos sejam ligados a corrente minoritárias dentro das religiões muçulmana e judaica.
O plano de Abbas deu resultados claros fotos ampliadas suas eram ostentadas em praça pública – no tradicional populismo personalista da região – ele sedimentou sua posição e talvez tenha forças para continuar prolongando seu período a frente da ANP. E ele ganha de todo jeito, mas que vitória é essa? Só o tempo irá responder essa questão.
O problema maior da viabilidade de um estado palestino é que isso exige o reconhecimento da existência de Israel e o reconhecimento de que há graves hostilidades contra esse pequeno país, não tenham dúvida um estado palestino viável passa necessariamente pelo entendimento da situação de segurança de Israel. É ilusão não levar isso em conta. E mais ilusório é pensar que a simples existência de um estado palestino livre que receba de volta os refugiados cessará a ação dos extremistas.
O Hamas deixou claro com sua oposição ao assento na ONU que sua causa é muito mais a destruição de Israel do que a construção da palestina.
Não tenham dúvidas Israel é um estado “rougue”, no sentido que não vai seguir nenhuma regra ou imposição internacional que arrisque sua existência, talvez seja o país que mais vive dentro de um universo digno das análises realistas. Israel vive o que vê como dilema existência, é uma ilha cercada por povos hostis e, portanto se vê moralmente e pragmaticamente no direito de lutar pra sobreviver por quaisquer meios necessários, seja bloqueando Gaza, invadindo o Líbano. Israel se vê lutando pra sobreviver.
Creio que tantas décadas de negociação já mostraram quão difícil será alcançar algum tipo de equilíbrio e de paz na região, e já seria uma vitória enorme que a paz fosse apenas a ausência de conflito, pensar em construção de confiança ou coisas assim ou é exercício de masturbação acadêmica (desculpem o termo mais não há outro que de perto seja tão acurado), ou é pacifismo sonhador.
Se a ONU realmente reconhecer a Palestina como Estado, Abbas passa a ter uma obrigação complicada que é conter, punir e evitar o radicalismo. Não consigo vislumbrar seu estado com instituições capazes de prender e punir quem atira foguetes em Israel e mais terá ele capacidade de exercer o monopólio do uso da força. Eu sei que o sentimentalismo midiático só fala da necessidade de ser cidadão dos palestinos, mas nós frios analistas (ou tentando, já escrevi aqui indignado nem sempre é fácil lidar com a realidade da política) temos que pensar do ponto de vista prático. E nesse sentido não vejo compromisso nessa atual geração de líderes palestino com o “State bulding”.
O “Quarteto” (grupo que reúne EUA, UE, ONU e Rússia) tenta mediar uma solução para o pleito que não resulte em um veto americano, essa solução seria a que o presidente francês Sarkosy apresentou em seu discurso, que é o reconhecimento da Palestina como observador, num status idêntico ao da Santa Sé (Vaticano).
As conseqüências do dia de hoje são difíceis de precisar, como bem diz o mestre Yoda: “Difficult to see. Always in motion is the future.”
Fico aqui com minhas muitas dúvidas esperando para ver o que vai acontecer. Quais serão as repercussões?
Comentários