Nos últimos tempos tenho a impressão que só ligo meu editor de textos para escrever análises contendo críticas a várias políticas levadas a cabo pelo governo do Brasil, governos estrangeiros e Organizações Internacionais.
O ritmo de trabalho e as imposições da vida off line têm impedido que eu me dedique a escrever os longos e profundos (ou pelo menos, assim eu os quero) textos sobre meta-analítica ou teoria das relações internacionais. Esses textos exigem muita leitura e reflexão.
Eu sei, eu sei. Eu prometi que esse blog não seria um blog de relatos sobre a minha vida pessoal – que é assunto desinteressante para vocês – mas, hoje terei que falar um pouco da minha vida, mas tem uma razão de ser, portanto tenham coragem.
Há alguns anos eu deixei minha querida cidade natal, a Capital Federal, Brasília. Mudei para uma cidade no norte de Minas Gerais, chamada Pirapora (aproximadamente 500 km de Brasília e 400 km de Belo Horizonte). A região a despeito de suas pontecialidades agrícolas e logísticas é bastante empobrecida com toda sorte de problemas sociais até mesmo o maldito crack invadiu as pacatas ruas da cidade de 50.000 habitantes.
Contudo, a região tem crescido fábricas se instalaram e se instalam, o agronegócio também é motor da região seja com a celulose ou com as frutas irrigadas pelas águas do Rio São Francisco. E o clima é o de esperança que o crescimento econômico traga oportunidades para os jovens, novas vagas em universidades enfim, os anseios normais por progresso material que fazem as pessoas saírem da cama cedo e trabalharem.
Hoje, um tanto consternado pelo fracasso coletivo da sociedade brasileira exemplificado pela morte da Juíza de Direito Patrícia Acioli, emboscada covardemente e alvejada 21 vezes, decidi espairecer na Feira de Cultura e Lazer que ocorre na Praça dos Cariris, no centro de Pirapora, sim, é uma daquelas feirinhas de cidade de interior ao redor de um coreto, com barracas vendendo comida típica – recomendo ao visitante o feijão tropeiro é sensacional –, algum artesanato, muita quinquilharia chinesa e artistas locais se apresentando.
Hoje havia um grupo de meninas e meninos que formam a orquestra sinfônica mirim da cidade de Pirapora em seu concerto estavam programados clássicos das Big bands executados com segurança e pequenas falhas justificáveis pela pressão de ser sua primeira apresentação pública.
Essa banda ensaia na escola de música da Obra Social São Vicente de Paula, essa mesma obra mantém um “Lar dos Velinhos” impecável que já visitei inúmeras vezes para fazer as necessárias doações de dinheiro, bens, mantimentos e simplesmente sentar e conversar com esses brasileiros mais velhos – e como sou humano temo ter destino semelhante, mas quem não teme envelhecer e morrer sozinho?
Entre uma apresentação e outra foi inevitável pensar em como aqueles jovens oriundos de famílias de baixa renda pareciam felizes por trás de seu concentrado semblante e como eram disciplinados, metódicos, qualidades que importantes bem como a criatividade.
Naquele momento eu percebi mais uma vez como o envolvimento social dos indivíduos é importante para tentar construir nesse país uma sociedade civil que possa existir e fazer frente aos desmandos dos governantes.
Esses meninos e meninas não são coitadinhos que recebem benesses eles são jovens tenazes e dedicados que ensaiam 6h por dia, em um regime de 3 horas de ensaio antes das aulas pela manhã e mais 3 horas a tarde. E em apenas quatro meses já eram capazes de se apresentar, em praça pública, e embalar a multidão – claro, com as lágrimas sinceras de suas mães – eles sabem bem que não adianta esperar coisas dadas a eles é preciso trabalhar duro, desenvolver o talento, ter compromisso. Uma lição e tanto e quase um tapa na cara de quem acha que problema social se resolve com estado babá.
Marcante foi ouvir o maestro (que a memória falha desse escriba não permite que se registre o nome dele) falar do esforço e de sua ambição de levar esses meninos a Paris para um encontro de jovens orquestras.
Ele fez o relato e pediu com veemência e humildade por ajuda ao seu projeto que sobrevive com a renda da venda de cartelas para sorteios de carros, motos e outros objetos doados pelo comércio local, “pedir não ofende” disse ele.
Até agora foram investidos BRL 100,000.00 (escrito na forma viciada de quem trabalha com comércio exterior), isso mesmo cem mil reais em instrumentos. O que não deixa de ser um testemunho do compromisso de nossa sociedade com a manutenção dessa obra social. O projeto conta com ajuda parca da prefeitura municipal e quer saber eu acho isso ótimo.
Ainda que paguemos impostos extorsivos eu acredito em envolvimento da sociedade civil, acredito na “ação entre amigos”, em buscar financiamento longe das problemáticas fontes governamentais. E mais acho que o Brasil precisa mais disso, mais de andar com as próprias pernas, hoje vi que é possível, embora difícil sobreviver sem ser para-estatal.
Não, não sou contra o envolvimento do poder público, ainda mais se houver verbas rubricadas para esse fim, mas não podemos viver dependentes do Estado, essa dependência vicia a sociedade e o estado e o resultado é o que vemos.
Hoje, mais que nunca eu percebi que outro país é possível – roubando o slogan dos antiglobalizadores – que podemos criar aqui uma sociedade civil organizada e que não seja apenas máquina partidária ou ideológica, hoje eu vi que a caridade aliada a projetos inteligentes pode muito.
Não podia deixar de compartilhar isso. Hoje, apesar de tudo vou dormir com esperança.
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