O Ramadã período em que os mulçumanos jejuam e refletem sobre sua fé e em tese pensam menos nos problemas cotidianos começou sombrio para os sírios. O governo autocrático Bashar al Assad (segunda geração de ditadores de sua família) iniciou uma brutal repressão aos opositores.
A situação síria é particularmente complexa por que por um lado há um regime claramente opressivo, por outro lado uma população sequiosa de mais liberdade e, sobretudo menos corrupção (como foi na Tunísia, no Egito, etc.), mas há fatores complicadores como a presença de extremistas islâmicos que se opõem ao regime, mas não tem intenção alguma de construir uma democracia.
Há também interesses estratégicos na Síria que é um dos poucos aliados dos iranianos na região, mas o jogo geopolítico dessa região é bem conhecido e já foi avaliado aqui e alhures. O que me motiva a escrever esse texto são algumas análises e opiniões que tenho lido e ouvido feitas por colegas de profissão (ou seja, por pessoas da área de relações internacionais).
A questão surgiu por conta da postura brasileira diante dessa questão, o Brasil juntamente com seus parceiros dos IBAS (Índia e África do Sul) chegou a ser classificada como vergonhosa pela Anistia Internacional, por conta de seu bloqueio a qualquer resolução no CSNU que tratasse de censurar a Síria de qualquer modo. A posição brasileira evoluiu talvez por conta da pressão da EU e dos EUA, da imprensa e de setores da opinião pública, ainda mais depois que a repressão em Hama recrudesceu. E agora o Brasil parece disposto a apoiar qualquer resolução que tenha aprovação unânime dos membros permanentes do Conselho de Segurança.
Essa postura se baseia num cálculo de que Rússia e China por serem aliados do regime de Assad impediriam que a resolução fosse algo mais que uma censura a violência de parte a parte e uma exortação a que buscassem uma solução negociada, tanto a aposta é essa que o governo do Brasil já ofereceu seus bons ofícios juntamente com a Europa.
Essa atitude aparentemente muito racional e bem calculada pelo governo do Brasil é o marco da primeira grande recuada de Dilma como presidente. Ela havia de maneira bem incisiva com base em sua própria história como vítima de tortura declarado que o Brasil teriam um norte moral na sua política externa e ele seria o respeito aos Direitos Humanos.
Alguns defendem que a na Realpolitik não há espaço para políticas morais e os ganhos estratégicos e de poder são os únicos objetivos possíveis e desejáveis em uma política externa e em geral desconfiam de qualquer ação que para eles pareça com a flexibilização da soberania, temem o que seria um avanço colonizador.
Analistas que vêem o mundo assim em geral se querem como falcões, ou seja, pensadores estratégicos exímios e que ao agir assim o Brasil serviria seu interesse de se proteger de ingerências externas na condução de seus assuntos. Falcões ingênuos é um termo que gosto de usar e tem o seguinte significado é agir como um falcão realista sem perceber que o Brasil não tem base de poder para isso e que muito dessa falta de poder é compensada com o uso do prestigio que o Brasil usufrui esse prestigio advém do progresso econômico recente, da transição para democracia, pelo esforço de inclusão social e do adimplemento de compromissos internacionais e da imagem de país pacifico. E nesse contexto serve bem a imagem brasileira estar aliado aos povos que desejam liberdade a mesma que desejamos durante os “anos de chumbo”.
Imaginar que condenar um regime seria abrir um precedente preocupante para o Brasil é imaginar que as circunstâncias dessa condenação irão se repetir aqui e num cenário desse todo o apoio a população seria mais que bem vindo.
Imagine por um instante que num ultimo impulso totalitário o regime militar decidisse bombardear e atacar com tanques de guerra um dos grandes comícios em prol das diretas. Nossa esperança de democracia seria depositada automaticamente em ações violentas contra o regime (que tornariam a repressão ainda mais brutal, num círculo vicioso de sangue) e seria esperado que o regime recebesse censuras internacionais, talvez até sanções que enfraqueceriam o regime e facilitariam a mudança de poder.
Pois bem, estamos aqui diante do velho cenário em que princípios balizadores da ação internacional de um estado se tornam antagônicos por um lado temos a não-ingerência que abraçada pelos analistas que citei acima e o principio da autodeterminação dos povos que nos levaria a apoiar o desejo da população síria por um novo regime.
A soberania não pode ser taxada como algo absoluto e inquebrantável, a meu ver a soberania tem uma obrigação explicita de responsabilidade. Não que eu defenda a intervenção militar, a invasão a torto e a direito, mas há momentos que o risco de mortes em massa justifica algum tipo de gestão para conter e evitar a tragédia. Vejam bem sem a pressão americana e a proximidade entre os Exércitos dos EUA e o Egito, Mubarak (que hoje enfrenta julgamento) dificilmente teria sido deposto sem banhos de sangue.
Para deixar claro eu não defendo uma operação militar da OTAN ou da ONU na Síria, missões como essa sem objetivos militares claros tendem a fracassarem, mas é possível pressionar e isolar o governo local ou diminuir consideravelmente sua capacidade repressiva. Claro, que estados como a Rússia e a China poderiam se empenhar em puxar o freio de Assad e parecem que estão dispostos a pressionar um pouco Assad, mas resta saber se a pressão será suficiente. E como dizem está história ainda dará muito pano pra manga. Há inclusive uma resolução do Conselho de Segurança em gestão que pode a qualquer momento ser aprovada
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