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Tribunal Penal Internacional, imbróglio líbio e o mundo ideal

A chegada da chamada Primavera Árabe a Líbia trouxe a esperança de uma mudança rápida de regime e que o novo governo que emergisse pudesse trilhar o difícil caminho de mudar as estruturas ditatoriais para um sistema democrático. Contudo, essa visão era obviamente ingênua e não levava em conta a resiliência do sistema de poder de Kadahfi.

A situação na Líbia rapidamente mudou de um quadro de desobediência civil e demonstrações em busca de democracia para combates de uma guerra civil. Logo ficou claro que as forças em luta na Líbia são complexas e há toda sorte de lealdades tribais, ideológicas, religiosas e sectárias. Os rebeldes rapidamente conseguiram o controle de zonas petrolíferas e o controle da estratégica cidade de Bengahzi.

Mas, Kadahfi não estava vencido e ainda contava com apoio de militares e de setores da sociedade líbia e mesmo internacional e com isso organizou uma campanha de reconquista deliberadamente brutal e segundo denuncias contou até com o emprego de forças mercenárias e dessa forma modificou o momentum do conflito e evidenciou que apesar de possuir algum armamento e um surpreendente numero de combatentes (cuja origem merece ser mais bem pesquisado) os rebeldes não possuíam condições de resistir as investidas do autocrata.

No esteio desse amargo combate fratricida surgiram relatos de violações graves dos direitos humanos com massacres de civis desarmados, estupros coletivos enfim tudo aquilo que sabemos que é tragicamente nesse tipo de engajamento. Essas violações motivaram a inclusão na resolução 1973 do Conselho de Segurança que autorizou a criação da Zona de Exclusão Aérea de uma recomendação do CS para que o Tribunal Penal Internacional abrisse uma investigação sobre as supostas violações.

Seguindo esse mandato do CS o TPI pode abrir processo contra o regime líbio, mesmo esse regime não sendo signatário dos tratados constitutivos do TPI. No dia 27 de junho a corte emitiu mandado de prisão contra o líder líbio Muamar Kadahfi, Saif al-Islam (filho de Kadahfi e líder da repressão) e  Abdullah al-Senussi (chefe do serviço de inteligência). O pedido de prisão reforça a retórica legal utilizada pela OTAN para justificar sua ação no país do Norte da África.

Não vou alimentar teorias conspiratórias de que o tribunal age a reboque do interesse das “potências ocidentais” e coisas do gênero. Mas, fica claro que a opção de levar o caso a apreciação da corte se deveu a fatores de política de poder na região. É preciso ter em mente que tudo em política internacional sempre tem um calculo de poder e interesse e isso explica (embora moralmente não justifique) a diferença do tratamento da Síria. Ainda que a Síria seja aliada do Irã país que mantém uma constante postura desafiadora dos países mais centrais no sistema internacional. E esse fato já inutiliza um argumento comum e bastante ideológico de que a ação na Líbia seria motivada pelo fato do Kadahfi ser um líder antiimperialista.

O Tribunal Penal Internacional tem um histórico interessante que como em outras Organizações Internacionais mistura sucesso e fracasso, como mostra o bom texto de David Scheffer na Foreign Policy (disponível aqui):

But if international justice requires patience and some risk, it also holds more lasting rewards. Most of the surviving top leaders who orchestrated atrocities in the Balkans, Rwanda, and Sierra Leone in recent decades have been apprehended and brought to justice before international criminal tribunals -- and, in the case of Cambodia and the Pol Pot regime, an internationalized domestic court that today is holding its own Nuremberg-style trial. Peace now prevails in all four of these places in large part because the really bad seeds have been removed and important historical lessons about justice and the rule of law have taken root, particularly among younger generations. The counterfactual that apprehending these criminals somehow places these societies at greater risk of dissolution, or that domestic legal systems will fill the void, has routinely been proved wrong. Serbian courts never found the will to prosecute Slobodan Milosevic, Radovan Karadzic, or Ratko Mladic, but the Hague Tribunal did. Sierra Leone's judiciary remains on life support, and the prosecutions -- including that of Liberian leader Charles Taylor -- before the international Special Court for Sierra Leone have not resurrected the rebel armies in that country.

To be sure, the system doesn't have a perfect record. Sudanese President Omar Hassan al-Bashir has been indicted on charges of genocide, crimes against humanity, and war crimes in Darfur but remains at large, ruling his country and traveling outside of it with flashes of impunity. Joseph Kony, the indicted commander in chief of Uganda's murderous Lord's Resistance Army, reportedly roams freely across several central African countries. But these failures must be seen in context. Four out of five indicted leaders from the Democratic Republic of the Congo now reside at the detention center in The Hague. Popular rebel leader Jean-Pierre Bemba Gombo, indicted for orchestrating mass rapes in the Central African Republic, is standing trial now. Three out of six indicted leaders from Sudan have faced the court, though they are from the rebel side of the Darfur conflict. All six indicted leaders from Kenya, charged with crimes against humanity during the violent aftermath of the 2007 election, have appeared voluntarily in The Hague and await confirmation of the charges against them by the judges. Ivory Coast's former President Laurent Gbagbo is in domestic custody, and a future flight north to the land of tulips might await him. Most remarkably, the court has accomplished all of this without its own police force.

Nesse domingo 3 de julho a União Africana decidiu recomendar a seus membros que desconsiderem o mandado de prisão e isso mostra bem que a realidade crua das relações internacionais não é regulada por outra coisa que não o poder e sua fungibilidade. Ou seja, a legalidade ou ilegalidade de um ato é algo que tem importância retórica e na construção de uma política externa e nesse particular os países democráticos são mais propensos a sofrerem pressões de suas próprias sociedades em direção do adimplemento de seus compromissos internacionais, mas essa importância diminui rapidamente quando o estado ou o regime que controla um estado se encontra em uma situação de ameaça e mais os tratados são escritos de uma maneira que interpretações distintas são possíveis com um pouco de saber jurídico, visão política e criatividade.

Isso não quer dizer que as leis do Direito Internacional são inúteis ou irrelevantes, mas é uma mostra de que no cenário internacional as considerações de poder são superiores as legais, como já nos mostravam os realistas e sua anarquia hobbesiana. É claro que por vezes a cooperação e o respeito as regras servem aos interesses nacionais envolvidos numa disputa e esse sistema tem por isso alta eficácia como o sistema da OMC.

O imbróglio líbio está longe de um fim satisfatório e o pedido de prisão pode sinalizar a Kadahfi que ele não tem alternativa a não ser manter o poder, ou seja, o mandado de prisão lhe furta (ou tenta) a alternativa de negociar um acordo que passe por seu exílio. Não é a melhor das alternativas, eu sei, mas pode, em tese pelo menos, salvar vidas e evitar muito sofrimento e destruição. Num mundo ideal é claro que prefiro ver o ditador líbio apodrecendo em uma cela em Haia, mas olhem pelas janelas e me digam se vivemos num mundo ideal?

Comentários

arash gitzcam disse…
vi na tv q eles quebram um brown danado lá...
Rubi disse…
É sempre bom vir ao teu blog. É informação que não acaba mais. A situação por lá está a cada dia mais complicada, não?

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