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Ler, Refletir e Pensar: Desafios para Humala

Ainda busco elementos para fundamentar uma análise sobre o nacionalista Ollanta Humala. Os leitores dessa página sabem as reservas que tenho quanto a “nacionalistas”, mas não quero - e não posso a bem de ser intelectualmente honesto – que isso se transforme em preconceito contra o novo presidente-eleito do Peru.

O texto abaixo é de autoria de Mauricio Santoro, que é doutor em ciência política e professor de Relações Internacionais e foi originalmente publicado em seu blog. O texto expressa as dúvidas que pairam sobre Humala que procurou deliberadamente se colocar como um lulista em contradição a sua anterior verve chavista. E para tanto chegou a contratar Luis Favre que é conhecido por sua participação na campanha eleitoral de Lula (só pra constar Favre é marido de Marta Suplicy).

Recomendo a leitura de um bom artigo de Michael Shifter, na Foreign Policy intitulado “Can a Chávista become a Lulaista?”.

Desafios para Humala

Escrevo ainda sem ter a confirmação dos resultados das eleições presidenciais no Peru, mas as pesquisas de boca de urna indicam vitória de Ollanta Humala sobre Keiko Fujimori, por diferença de até cinco pontos, deste modo revertendo a tendência da última quinzena. Se este for mesmo o desfecho da disputa, Humala terá pela frente dois desafios significativos: o relacionamento com as grandes empresas e a necessidade de provar que sua adesão à democracia e aos direitos humanos é real.

No meio empresarial, há temor generalizado por Humala. O modelo econômico peruano das décadas de 1990-2000 foi baseado na concessão de garantias às empresas e aos investidores de que seus negócios não sofreriam intervenção do Estado nem seriam abalados pelas turbulências políticas. A Constituição de 1993 inciou esse processo, que foi completado pelo tratado de livre comércio com os Estados Unidos, que também alterou a legislação relativa a direitos de propriedade, em especial na região amazônica do Peru, onde se concentram as reservas de petróleo e gás. As tensões resultaram no recente conflito com os movimentos indígenas, com enfrentamentos bastante violentos. Nestas eleições, os criadores do modelo peruano fizeram o mea culpa e reconheceram que era necessária maior atenção aos temas sociais.

Afinal, a América Latina contemporânea é marcada pela ascensão de partidos e movimentos de esquerda que, em suas muitas correntes e matizes, advogam maior participação do Estado na economia e com frequência a nacionalização total ou parcial de recursos naturais, inclusive com a reversão das privatizações feitas no período liberal, como ocorreu na Bolívia, Venezuela e Argentina. Ou pelo menos com o aumento de impostos cobrados às empresas que trabalham com essas riquezas. 

O modelo bolivariano é o de consolidar tais mudanças em novas constituições, que refletem estas novas perspectivas. A carta magna peruana, como citado acima, é fruto da ditadura Fujimori e de outro modelo econômico. Ela foi reformada em 2005, já na democracia, mas nacionalistas como Humala a consideram bastante aquém do que desejam. Grupos que pleiteiam maior descentralização e autonomia para regiões e municípios também querem transformações, temas explosivos porque envolvem a distribuição dos royalties do petróleo e da mineração pelo Estado unitário, e as relações com áreas indígenas. 

Tarefa difícil para qualquer presidente, ainda mais para Humala, que precisa mostrar para a opinião pública de que rompeu com sua história de golpes militares e de que seu abandono do estilo de Hugo Chávez em troca da moderação de Lula é para valer, e não simplesmente retórica de campanha. Muitos de seus votos vieram dos anti-fujimoristas dispostos a lhe dar o benefício da dúvida diante da filha do ex-ditador, mesmo que isso significasse deixar de lado as acusações de violações de direitos humanos feitas contra o próprio Humala, nos tempos da guerra contra o Sendero Luminoso.

O governo brasileiro tem simpatia por Humala, mas as principais empresas do Brasil com negócios no Peru, como Petrobras e Vale, inclinaram-se por Keiko. É um quadro contraditório, mas o novo presidente peruano pode aproveitar a boa vontade de Brasília para fechar acordos que sirvam de referência para entendimentos semelhantes com firmas oriundas de Estados mais relutantes e cautelosos.

Comentários

Filipe Dias disse…
Muita informação que desconhecia, salvei seu blog nos vavotiros para ler mais coisas depois.


passe no meu depois?
http://www.umcontoemeio.blogspot.com/

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