Em uma cerimônia pública realizada hoje na Cidade do Vaticano (capital da Santa Sé) foi beatificado o Papa João Paulo II. Ele foi o 256º Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana e sem sombra de dúvidas o mais popular e midiático líder que essa Igreja teve nos últimos séculos. E foi um importante ator no jogo diplomático internacional, notadamente em sua luta anticomunista.
Antes de continuarmos é preciso a título de full disclaimer preciso dizer que sou católico e por isso mesmo não me cabe contestar o Magistério da Igreja e a Sã Doutrina, ou seja, em termos de fé sigo a linha do Roma locuta, causa finita. Mas, não pretendo escrever um texto religioso. Não me considero apto para tentar converter ninguém e não tenho conhecimentos teológicos suficientes para escrever um texto apologético útil. Pretendo apenas comentar a beatificação e o papel da Igreja nas relações internacionais, embora não seja possível no espaço de um texto para blog esgotar o tema.
É até lugar comum começar um texto que fale de Igreja Católica e Relações Internacionais relembrando a citação de Stálin quando confrontado com objeções do Papa durante as negociações que seguiram o fim da Segunda Guerra Mundial. Naquela ocasião Stálin disse: “Mas quantas divisões tem o Papa?”
Claro, que interessava ao líder soviético minimizar a influência moral do Papa junto a milhões de católicos espalhados por várias nações. Não é preciso conhecer muito de história e de filosofia política para entender que havia uma contradição de fundamentos entre os regimes comunistas e a fé Católica. Interessante é que foi justamente da Polônia, cuja invasão desencadeou a Segunda Guerra e que posteriormente foi capturada dos nazistas pelo exército vermelho e tornada comunista que nasceu Karol Wojtyła (aquele que mais tarde se tornaria João Paulo II) que foi profundamente marcado pela ocupação nazista, pela ocupação soviética e pelos duros anos do comunismo.
Sua carreira religiosa foi marcada pela clareza de suas convicções, seu alinhamento com a ortodoxia teológica e uma habilidade para a liderança. Era o que se chama em política de um líder carismático, ou seja, capaz de inspirar e motivar. Seu estilo gerencial, isto é, a forma como governou a Igreja foi tida como centralizadora. Para os Católicos foi interessante e inspirador o fato dele ter entregado seu pontificado a Maria, um claro sinal de seu compromisso com a caridade, com a piedade e também com a família tradicional Católica, o que é claro provocou atritos com várias correntes de opinião seculares. Sobretudo, as correntes de esquerda materialista.
A luta anticomunista e contra a União Soviética são apontadas como as causas da tentativa de assassinato naquele 13 de maio de 1981, que tanto marcou o pontificado de João Paulo II, perpetrado pelo turco Ali Agca, teria sido aprovado pelo líder da União Soviética Lenoid Brejnev com participação de militares soviéticos e agentes de diversas organizações de inteligência do bloco soviético.
Para os católicos e para o próprio Papa sua sobrevivência foi obra da interceção caridosa de Maria, santíssima, senhora nossa. Ainda mais quando se tem em mente que é no 13 de maio que se comemora o dia de Nossa Senhora de Fátima.
O contexto da Guerra Fria tem que ser levado em conta ao se analisar o pontificado de João Paulo II pelo ponto de vista político, que em alguns casos acabou por se confundir com assuntos teológicos como no forte embate entre o Vaticano e as correntes conhecidas como Teologia da Libertação. Esse embate é diretamente relacionado com a luta anticomunista que a Igreja sob sua liderança empreendia, principalmente na sua terra natal Polônia.. Claro, hoje no arsenal analítico essa capacidade de influir na formação dos regimes internacionais é conhecida e prevista na figura do Softpower.
João Paulo II liderou uma diplomacia ativa que praticamente dobrou o numero de Nunciaturas Apostólicas (como são chamadas as embaixadas da Santa Sé) que mesmo possuindo traços de Realpolitik na medida em que as relações sempre visaram vencer obstáculos legais ao livre culto Católico, mas como não poderia deixar de ser pela natureza teocrática da Santa Sé foi marcada por imperativos morais, principalmente a neutralidade e o dialogo insistente. No ponto de vista operacional isso significou que o Vaticano mantém relações com Estados independente de inclinações religiosas e tende a não integrar alianças (sendo apenas observador na ONU e na UE, por exemplo).
Pessoalmente o Papa sempre foi bastante vocativo e usou sua influência junto a opinião pública em causas da Igreja como comutações de penas capitais e libertação de presos políticos.
Sem dúvidas João Paulo II foi um líder mundial relevante e carismático como revela comunicação da diplomacia dos EUA vazada pelo site Wikileaks (sempre eles): “O papa João Paulo II é certamente o mais amplamente reconhecido líder mundial”. Isso não quer dizer que sua atuação mesmo a religiosa tenha sido uma unanimidade e são várias as críticas desde a forma como ele lidou com os escândalos de pedofilia por parte de marginais infiltrados na Igreja. Creio que talvez uma postura dura teria sido preferível, mas corro o risco de não ter a devida caridade.
Entre as críticas uma eu acho particularmente interessante que é a trata do uso de preservativos como profilaxia para doenças sexualmente transmissíveis, em especial na África. Eu acho muito curioso e até um pouco ilógico acreditar que a pessoa que não segue o mandamento da Igreja de não pecar contra a castidade, iria obedecer a Igreja na questão do preservativo. Em outras palavras as pessoas não pensariam na Igreja na hora do sexo, só lembrariam na hora de usar ou não o preservativo.
Outra crítica é quanto a seu suposto conservadorismo, mas essa é bastante ideológica uma vez que já parte do princípio que a postura que chamam “progressista” seria melhor e superior simplesmente por ser “progressista”, e além do mais esquece que parte dos deveres do Papa é manter a tradição, sem modismos, mas com modernizações que se mostrem necessárias, como as feitas na Missa, principal ofício religioso dos Católicos.
Numa nota bastante pessoal posso dizer que fico muito satisfeito com a beatificação de um líder muito querido que mostrou possuir os requisitos morais e espirituais necessários. Ainda mais, por que é impossível contar a história da segunda metade do século XX sem levar em conta a atuação do Papa João Paulo II. Sua liderança baseada na força da fé e na força da presença política acabou por mitigar a ausência da força bruta, das divisões militares a que se referia Stálin.
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