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Fronteiras terceirizadas

A revista “ISTOÉ” que chegou as bancas no fim de semana passado trouxe em sua reportagem de capa um denúncia grave com a manchete “A privatização da polícia”. E trata do crescente papel de funcionários terceirizados em serviços essenciais e de competência exclusiva dos agentes federais como a emissão de passaportes e o serviço de triagem e controle de imigração nos portos e aeroportos brasileiros.

É consenso – ou pelo menos quase – que o controle mais rígido das fronteiras brasileiras é essencial para combater crimes como o tráfico internacional de drogas e armas, tráfico internacional de pessoas, evasão de divisas, fuga de indivíduos procurados pela justiça e a entrada de imigrantes em situação irregular (desde simples trabalhadores em busca de uma vida melhor a criminosos em busca de esconderijo).

O Brasil tem um sério problema com o tráfico de drogas e de pessoas que precisa ser enfrentado de frente pelo poder público e pelas forças de segurança, mas o que vemos é que isso só é tratado como prioridade no discurso. E já passou da hora de ser prioridade de fato. A própria justificativa que a reportagem apresenta feita pelo ex-ministro deixa bem claro que a intenção era “melhorar o serviço e diminuir as filas da imigração” o que só reitera o problema de haver um dimensionamento incorreto da Polícia Federal. E parte do problema reside nos altos salários dos agentes federais, ainda que seja um salário merecido é incompatível com a realidade financeira do país, aliás, isso se repete por todo o funcionalismo público. Eu sei, eu sei, é chato falar do salário dos outros e não é uma questão de “merecimento”, mas de capacidade econômica do país. 

Contudo, não importa a justificativa ceder acesso a rede de dados da Polícia Federal e o controle de passaportes a funcionários terceirizados é um desastre a espera de acontecer, por sinal até os raios X estão no rol de atividades desses funcionários. E ainda há as onipresentes suspeitas quanto as licitações desses serviços.

Do ponto de vista político é interessante ver o partido que construiu boa parte de seu discurso eleitoral sob a plataforma da demonização das terceirizações e privatizações agir dessa exata maneira no governo. E tudo feito de maneira legalmente precária, ainda por cima.

Chegará o dia que segurança nacional será prioridade no Brasil?

Abaixo alguns trechos da reportagem (Original aqui):

“[...] O processo de loteamento de áreas estratégicas começou há quatro anos, sem que houvesse o necessário debate pelo Congresso, pela sociedade e contra parecer da própria Polícia Federal. Mais grave: era para ser uma solução provisória, como explica à ISTOÉ o ex-ministro da Justiça Tarso Genro, hoje governador do Rio Grande do Sul. “Sempre defendi que isso só se justifica como provisoriedade”, afirma Genro. Mas, no Brasil, o que é provisório com frequência se torna permanente. O problema é que Tarso Genro havia sido informado das consequências da terceirização. Um relatório interno da PF, obtido por ISTOÉ, revela que repassar a empresas privadas tais atividades era a última das opções para reduzir o gargalo provocado pelo crescimento exponencial de passageiros. “É de longe a hipótese mais controversa de todas e esbarra em sérios problemas de ordem legal”, concluiu a delegada Silvane Mendes Gouvêa, presidente da comissão. Em ordem de prioridade, o MJ poderia aumentar o contingente policial ou passar o controle migratório para as mãos de servidores administrativos da própria PF. O documento, de 37 páginas, com cinco anexos, listou uma série de critérios que deveriam ser adotados em caso de se decidir pela terceirização. Por exemplo, para cada três terceirizados deveria haver ao menos um policial como supervisor.

Mas o que se vê hoje é um descontrole total. Em alguns aeroportos, como o Tom Jobim, no Rio de Janeiro, cada agente da PF precisa monitorar o trabalho de até dez terceirizados. A média nos terminais terceirizados é de um policial para cada sete funcionários privados. Na Tríplice Fronteira, entre Paraguai e Argentina, há 103 funcionários terceirizados para um total de 15 agentes federais. Eles fiscalizam tudo que passa na Ponte Internacional da Amizade e na Ponte Tancredo Neves. Também são responsáveis pela emissão de passaporte e controle de raio X.”

“[...] Funcionários privados que trabalham na emissão de passaportes têm acesso ao Sistema de Informações da Polícia Federal”

“[...] O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não quis se manifestar sobre a terceirização na PF [...] Não bastassem os problemas de ordem prática, a terceirização também enfrenta impedimentos legais. O relatório da Polícia Federal, que passou pelas mãos de Tarso Genro e do então diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, é claro: “Em razão de a atividade de fiscalização migratória doutrinariamente enquadrar-se no exercício do poder de polícia pelo Estado, ela é por natureza indelegável. Com isso deve ser executada por servidores efetivos do Departamento de Polícia Federal.” O advogado Luiz Carlos Cavalcanti, especialista em direito constitucional e autor de um estudo sobre o caso, explica que o controle de imigração é um trabalho complexo e altamente especializado. “A habilitação do agente da PF se dá através do estudo de uma disciplina específica denominada polícia marítima aeroportuária e de fronteiras, inserida na grade curricular do curso de formação profissional. A matéria é eliminatória”, afirma Cavalcanti. Se o policial for reprovado nesta disciplina, é imediatamente desligado do curso de formação profissional e do concurso público para agente da PF. O especialista lembra que um policial federal é submetido a investigação social para entrar na carreira, segue regime disciplinar específico e responde a uma corregedoria. Já os terceirizados não estão submetidos a nenhum tipo de controle. “Ninguém sabe de onde vêm e para onde vão esses funcionários. Eles não têm nenhum comprometimento com a instituição”, afirma o diretor da Fenapef, Francisco Sabino.

“Do jeito que está qualquer um pode embarcar com passaporte falso. Os terceirizados não sabem a diferença entre um imigrante ilegal, um padre ou uma mula do narcotráfico”, afirma Telmo Corrêa, do sindicato da PF. Agente por formação, ele lembra que a atividade de fiscalização imigratória foi confiada pela Constituição, em seu artigo 144, “de maneira inequívoca” ao Departamento de Polícia Federal. E acrescenta um dado surpreendente nessa complexa equação. Com a realização da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, as empresas americanas e inglesas querem entrar no lugar das terceirizadas nacionais e assumir o controle da nossa imigração. “É um absurdo. Uma ameaça à nossa soberania”, avalia Telmo.

[...] Nem o controle de raio X nos aeroportos está sob responsabilidade da PF, como determina a legislação”

“Esse risco não existiria se Genro e Corrêa tivessem escutado as recomendações da comissão da PF. A saída para os gargalos nos aeroportos era de fácil execução, como consta do relatório. “A contratação de mais policiais é a solução que resolve mais rapidamente o problema do controle migratório, uma vez que não haveria necessidade de mudança na rotina de fiscalização”, dizem os delegados no documento. A demanda por mais policiais seria atendida com recém-formados pela Academia Nacional de Polícia. Segundo levantamento da própria PF, bastaria a contratação de mais 181 policiais para atuar nos aeroportos do Rio e de São Paulo. Naquele ano, a academia formou 210 policiais, o suficiente para dar conta do recado. Entretanto, a cúpula da PF optou pelo caminho da terceirização, alegando que os policiais são uma mão de obra qualificada demais para a execução de serviços burocráticos.

Fontes da PF afirmam que Luiz Fernando Corrêa pressionou a comissão para que concluísse o relatório a seu gosto. Em vários trechos do relatório da PF, é citada a informação de que “o Ministério da Justiça estaria disposto a fornecer recursos para a contratação de terceirizados”. Na conclusão, o grupo de delegados ressalta que “não sendo escolhida pela direção-geral a alternativa de dotar com lotação efetiva de policiais os aeroportos”, o problema só poderia ser resolvido com a terceirização. O documento subsidiou a medida provisória que alterou a Lei 8.745/93 e abriu as portas para a privatização do controle migratório. Procurado por ISTOÉ, o atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não se manifestou sobre o assunto. Coube ao diretor-executivo da PF, Paulo de Tarso Teixeira, fazer a defesa da instituição. “Os policiais continuam sendo responsáveis pelo controle migratório. Não houve transferência de competência da PF para ninguém”, garante Teixeira. Transferência houve. O trabalho da PF nos aeroportos foi privatizado. Mas em nada aliviou o transtorno vivido pelos brasileiros no agendamento a perder de vista da emissão de passaporte e nas longas filas de desembarque de passageiros.”

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