Essa semana concedi uma entrevista breve (que não sei se vai ao ar se for informo) sobre a mais nova celeuma comercial entre Brasil e Argentina. Além de ficar a imaginar que poderia ter dado respostas melhores fiquei também com o tema do relacionamento bilateral na cabeça.
As disputas comerciais entre os dois países obviamente ganham enorme espaço tanto nos meios mais especializados em temas econômicos e diplomáticos quanto nos meios de caráter mais generalista. Também, têm destaque os desentendimentos mais políticos como a suposta reclamação (e um certo ciúme) do governo Kirschner por ter sido preterido em recente viagem do mandatário americano a América Latina.
São muitos os desafios do relacionamento entre os dois países principalmente no que tange a consolidação do MERCOSUL, não só na correção dos desequilíbrios com os sócios menores, mas na própria essência de integração regional calcada na liberalização comercial.
Pensando nesses temas lembrei-me de um artigo antigo do embaixador Azambuja (que é uma figura das mais agradáveis desse mundo das relações internacionais) publicado no livro Temas da Política Externa Brasileira II, vol 2, com o título “O Relacionamento Brasil-Argentina: de Rivais a Sócios”. Não que esse artigo seja uma peça cientifica repleta de dados é mais uma reflexão sobre os fatores que os aproximam e separam os dois países e um balanço do estado das coisas no ano de sua publicação 1997.
O que me fez lembrar e reler o artigo foi o trecho que segue abaixo, que lido com os olhos de que conheceu os desdobramentos dos anos 2000 se torna ainda mais interessante.
“O Brasil e a Argentina estão engajados simultaneamente em três grandes projetos:
a) a promoção acelerada da integração bilateral;
b) a identificação de posições comuns frente aos chamados temas globais e em áreas percebidas como de importância estratégica por ambos;
c) a edificação do MERCOSUL.
É evidente que cada uma dessas vias não é estanque e que os resultados alcançados em uma das dimensões do relacionamento tem um efeito potencializador imediato e importante sobre os demais.
Hoje, mais do que nunca no passado, os dois países identificam pontos em comum importantes sobre os quais procuram construir o seu relacionamento futuro.
Faço a seguir uma lista dessas identidades fundamentais sobre as quais se constrói o edifício de nossa aproximação:
a) o compromisso com a democracia representativa e com a economia de mercado;
b) uma ampla identificação de posições sobre as questões de direitos humanos, de meio ambiente e de reforço da paz e da segurança internacionais;
c) a convicção de que no mundo de hoje os espaços e mercados internos de cada um não são suficientes para proporcionar a escala e a massa crítica necessárias para uma inserção internacional plenamente competitiva.
d) a convicção de que o passado não deixou um passivo importante a resgatar e de que a energia e a imaginação podem e devem ser concentradas na edificação do futuro.
e) intensa percepção de que os dois países são culturalmente próximos de que o turismo e o fluxo de informações faz com que se conheçam cada vez melhor e de que o entendimento entre ambos gera em toda América do Sul um ambiente de distensão e boa vontade.
[...] Seriam superáveis as diferenças conjunturais que fazem da com que a Argentina viva um momento de acentuada estabilidade macroeconômica e o Brasil não, embora todos os nossos esforços se destinem a também alcançar, no curto prazo, o equilíbrio de nossas contas e a boa ordem de nossa economia.
Serão superáveis as diferenças de ótica que levaram a Argentina a procurar no momento uma inserção acrítica, no mundo liderado pelas grandes potências industrializadas, enquanto o Brasil procura definir com maiores matizes e especificidades sua própria inserção nesse mundo.” (grifo meu)
A ótica que tentei transmitir em minha breve entrevista foi similar a essa, ou seja, ainda que as disputas comerciais sejam um desgaste considerável tentar entender o padrão de relacionamento entre os dois países apenas por essa faceta é ver as arvores, mas não ver a floresta, para usar uma expressão que o embaixador Azambuja também usa em seu texto.
Comentários
Um ótimo post, que em momento algum pecou em gramática e entendimento...
Muito bom...
Abstenho-me de comentar devidamente nessa primeira visita pois devo admitir que meu conhecimento sobre o imbroglio comercial entre Brasil e Argentina é nulo.
Entretanto, prometo novas visitas. Já adicionei seu blog a minha página de favoritos.
Abraços
Lilian Buzzetto
Do Mulherices
[Se puder, faça-nos uma visita]
sucesso
http://duo-postal.blogspot.com