Pular para o conteúdo principal

Os “pacifistas” já estão chocados

Ontem começou a operação “Odyssey Dawn*” que visa cumprir o mandato conferido pela Resolução 1973 (2011) do Conselho de Segurança. A famosa Zona de Restrição Aérea. O leitor desse blog e qualquer pessoa com o mínimo de noção de Relações Internacionais e Estudos Estratégicos sabia como se daria (de forma genérica) a imposição de uma Zona de Restrição Aérea.

Ou seja, uma operação militar dessa natureza começa com a obliteração da capacidade de defesa aérea. O que naturalmente significa destruir estações de radar, de comunicações, bases de lançamento de mísseis anti-aéreos e de artilharia anti-aérea. E outra coisa que era óbvia é que sendo muitos dessas plataformas de armas móveis elas seriam movimentadas para zonas com maior densidade populacional. Não só para melhor disfarçar e proteger essas plataformas, como para deliberadamente provocar baixas civis.

Outra coisa que qualquer pessoa que se enquadre no que descrevi acima também sabe que qualquer operação militar está sujeita a situações inesperadas, falha de equipamento e erros humanos graves que infelizmente resultam em perdas humanas. Basta que um míssil falhe em algum dos seus equipamentos de orientação para que caia e destrua algum local que não seja o alvo inicial.

Cada vida humana é uma perda a ser lamentada. Mesmo os soldados leais ao cruel regime de Kadahfi são filhos, pais, irmãos, maridos de alguém e essa perda marcará para sempre alguma família. Sempre faço esse observação, por que sempre há a quem se esqueça disso. É claro que há a questão do bem maior que suporta a morte de poucos para salvar muito. Mas, isso não muda a situação, não muda o fato que esses homens não vão voltar para casa.

É uma posição legítima ser contra a intervenção estrangeira nessa questão. É legitimo ser contra a guerra (algo utópico, mas legitimo). E isso precisa também ficar claro.

Mas, é preciso notar que também há os pacifistas de conveniência que agora estão chocadissimos e dizendo que todos os que apóiam a intervenção “têm sangue em suas mãos” claro naquele tom condenatório e ar de superioridade. Essa afirmação pode até ser verdade, mas esses pacifistas compadecidos também têm o sangue de todos os que morrem quando não há intervenção. Pura questão lógica que eles omitem em suas fortes declarações.

O coronel Kadahfi já começou sua campanha de propaganda, previsível, com supostos civis mortos, sempre mulheres e crianças, e hospitais bombardeados. E aí fica muito difícil verificar essas acusações. E é ainda mais difícil acreditar num governante que manda agentes deles derrubar um vôo comercial como ele fez contra o vôo da Pan-am em Lockerbie, em 1988. Por sinal seria hilário se não fosse sintoma de falta de honestidade intelectual ver aqueles que sempre duvidam e são céticos da imprensa agora querem piamente no que diz o governo líbio.

Ainda muito se escreverá sobre as operações, objetivos e interesses por trás dessa intervenção e muita besteira pseudo-pacificista será escrita, como as declarações russas (que tinham em suas mãos o poder de vetar a resolução, mas escolheram ficar de lado e criticar o quer seja que ocorra, uma posição confortável, afinal se tudo correr bem eles não vetaram, se tudo der errado, eles não aprovaram).

E quanto aos ataques aos blindados, comboios e outros assets militares que ocorrem na Líbia e a princípio não seriam necessário para criar uma Zona de Exclusão Aérea se enquadram perfeitamente na proteção dos civis que também é parte do mandato dado pelo Conselho de Segurança.

Eu ainda tenho minhas dúvidas quanto a conveniência dessa intervenção e se ela produzirá resultados positivos (que nesse contexto significar poupar vidas, sempre a luz do que seria perdido ema ação de Kadahfi). Embora seja difícil também defender a inação. É um desafio justificar o fato de se observar um massacre sem se mover quando se tem os meios para impedir isso.

É meus caros os problemas que afligem a ação internacional raramente se resolvem com a observação cega de princípios, é preciso um certo grau de flexibilidade, mesmo por que os grandes princípios reguladores por vezes podem ser contraditórios entre si. A Líbia é um exemplo de que apoiar a autodeterminação de um povo (o desejo de se livrar do julgo de Kadahfi) pode muito bem contraria a não-intervanção.

São por essas e outras que a marca que ilustra esse blog apresenta um quebra-cabeça...

Mas, mesmo diante de toda essa confusão e admito certa inconsistência me irrita profundamente as declarações feitas do alto de pedestais de quem se julga em posição moralmente superior. Ainda mais quando essas posições não são nada superiores. E não, não escrevo em reposta a nenhum analista, comentarista, ou comentador em especial. Fosse assim citaria com link e tudo mais, não fujo de uma polêmica.

_________________

Segundo fontes militares americanas desse blog. O pomposo nome é quase um acidente dado que o prefixo “Odyssey” é dado a todas as operações dos EUA nessa parte do mundo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Fim da História ou vinte anos de crise? Angústias analíticas em um mundo pandêmico

O exercício da pesquisa acadêmica me ensinou que fazer ciência é conversar com a literatura, e que dessa conversa pode resultar tanto o avanço incremental no entendimento de um aspecto negligenciado pela teoria quanto o abandono de uma trilha teórica quando a realidade não dá suporte empírico as conjecturas, ainda que tenham lógica interna consistente. Sobretudo, a pesquisa é ler, não há alternativas, seja para entender o conceito histórico, ou para determinar as variáveis do seu experimento, pesquisar é ler, é interagir com o que foi lido, é como eu já disse: conversar com a literatura. Hoje, proponho um diálogo, ou pelo menos um início de conversa, que para muitos pode ser inusitado. Edward Carr foi pesquisador e acadêmico no começo do século XX, seu livro Vinte Anos de Crise nos mostra uma leitura muito refinada da realidade internacional que culminou na Segunda Guerra Mundial, editado pela primeira vez, em 1939. É uma mostra que é possível sim fazer boas leituras da história e da...

Ler, Refletir e Pensar: The Arab Risings, Israel and Hamas

Tenho nas últimas semanas reproduzido aqui artigos do STRATFOR (sempre com autorização), em sua versão original em inglês, ainda que isso possa excluir alguns leitores, infelizmente, também é fato mais que esperado que qualquer um que se dedique com mais afinco aos temas internacionais, ou coisas internacionais, seja capaz de mínimo ler em Inglês. Mais uma vez o texto é uma análise estratégica e mais uma vez o foco são as questões do Oriente Médio. Muito interessante a observação das atuações da Turquia, Arábia Saudita, Europa e EUA. Mas, mostra bem também o tanto que o interesse de quem está com as botas no chão é o que verdadeiramente motiva as ações seja de Israel, seja do Hamas. The Arab Risings, Israel and Hamas By George Friedman There was one striking thing missing from the events in the Middle East in past months : Israel. While certainly mentioned and condemned, none of the demonstrations centered on the issue of Israel. Israel was a side issue for the demonstrators, with ...