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Obama no Brasil

Agora que o Air Force One já decolou e o frisson provocado por Michele Obama na imprensa começa a arrefecer é hora de analisar a visita do mandatário americano ao Brasil.

Muitas expectativas pairavam sobre a viagem. E a meu ver a mais significativa era ver como a recém empossada presidente brasileira iria lidar com os ritos cerimoniais e qual seria sua linha retórica. Como escrevi em minhas primeiras impressões creio que a presidente se portou bem. Ainda que tenha havido partes em sua declaração a imprensa que foram um tanto fora do lugar. Mas, nada que seja deletério de sua participação.

Recuso-me a dizer a atuação dela foi discreta. Considero que a suas intervenções pouco espalhafatosas são sóbrias e se coadunam com um país que pretende ser visto como um global player. E não é difícil perceber que essa atuação mais centrada facilita o trabalho da chancelaria que não se vê obrigada a defender e justificar arroubos e nem presos a declarações grandiloqüentes.

Muito ruído é ouvido sobre o sistema de segurança de Obama e a restrição aos espaços que ele se encontrava. É natural que isso gere o barulho que gerou. A segurança do presidente dos EUA é cerrada, muito maior e mais rigorosa do que temos aqui e ele é um alvo muito maior do que qualquer político brasileiro. Claro, é extremamente antipático, mas o serviço secreto não existe para fins de simpatia. E é bom lembrar que ele não é o único Chefe de Estado que viaja ao Brasil com seus próprios seguranças.

A viagem foi completamente abafada pelo inicio das operações para o estabelecimento da Zona de Restrição Aérea na Líbia. Por exemplo, na rede de TV CNN enquanto Dilma e Obama faziam declarações a imprensa cortaram para falar do avanço dos caças franceses e das declarações do mandatário francês. E, esse mesmo motivo limitou as aparições públicas de Obama que poderiam servir para a divulgação do Rio de Janeiro.

Os discursos de Obama foram mais do mesmo, isto é, palavras grandiosas ditas com convicção e simpatia numa oratória empolgante, contudo, sem maior profundidade e sem nenhum grande avanço nas relações entre os países. É claro há uma maior boa-vontade de parte a parte e protocolos de intenção interessantes foram assinados, dirigentes empresariais fizeram seus encontros e rodadas de negócios. Mas, no campo político o que se viu foi uma reaproximação.

Não quero aqui minimizar a retórica de parceria em nível mais igualitário que Obama tanto tentou projetar em seus discursos, mas é preciso salientar que esse novo status não pode ser dado como atingido por que foi declarado. Será preciso que por um lado se confirme a mudança de percepção dos americanos e por outro que o Brasil conduza políticas consistentes (e sempre com o interesse nacional em seu norte). Isso quer dizer será preciso observar se o Establishment de política externa dos EUA dará atenção ao novo poderio (comercial e economico) do Brasil e terão a reação brasileira em conta em suas ações na América Latina e até mesmo em outros espaços como fóruns multilaterais. E caberá ao Brasil também manter uma política que não nos coloque a reboque da política de Washington (nem como aliança automática, nem com oposição automática) e nem gaste o capital político brasileiro servindo de sustentáculo para regimes como o do Irã.

Muitos são os especialistas que dizem que a estratégia da política externa brasileira seria a “integração pela diversificação”, ou seja, a busca por poder e prestigio internacional a partir da diversificação de parcerias. Essa estratégia seria para que o Brasil agisse como Brooker entre vários tipos de redes internacionais. Em outras palavras por ter relacionamentos amistosos como o ocidente e com países que temem ou se ressentem do ocidente o Brasil se faria necessário como intermediador para dirimir conflitos.

Essa estratégia tem limites é claro perde muito da eficiência se somos vistos como simpatizantes de um agente ou de uma rede inteira dessas, mas pode ter surtido efeitos e talvez seja a que justifique a declaração e os protocolos de ação conjunta em terceiros países. É preciso salientar para quem não seja familiarizado com o método de análises de redes (para saber mais ler aqui por sinal saudade de escrever textos mais teóricos, mas a turma do CTRL C, CTRL V...) que ser brooker não é nem arbitrar esses conflitos, nem ser “moleque de recados” é agir como conciliador. Como ente capaz de prestar, por exemplo, bons ofícios.

O acordo com o Irã seria uma política nesse sentido se o governo do Brasil não tivesse assumido a posição de defender Ahmadinejad e também não tivesse interpretado mal a situação internacional para perceber que aquela altura a ação seria ineficaz e mais que ainda ficaríamos numa posição difícil de ‘fiador’ de Teerã.

Perdão por essa digressão metodológica.

Ao frigir dos ovos a viagem foi como bem colocou o ex-embaixador Azambuja, na Globo News: “uma massagem no ego da nação”. Isso é claro se deve ao contraste de quem esteve na linha de frente da diplomacia durante a época da hiperinflação e da ditadura. É notável nesse sentido que nenhum dos discursos tenha sido no sentido de cobrar do Brasil mudanças políticas ou uma melhor governança econômica. E isso é prova do avanço do Brasil (e não caiamos na força da propaganda política, muito mais que governos esse avanço foi feito pela força e trabalho do cidadão brasileiro), contudo há muito que fazer e nada será resolvido com autocongratulação estimulada por motivos partidários e eleitorais.

Algo que me incomodou um pouco e cheguei a comentar no Twitter foram as atividades culturais escolhidas para entreter os Obama e supostamente divulgar a cultura brasileira, ou posto de outra maneira, por que sempre que uma autoridade estrangeira vem ao Brasil tudo que se mostra é batucada e capoeira. Ou será que a cultura brasileira é só isso? Será que cabe a quem organiza isso alimentar clichês? Enfim, não há uma sinfônica nesse país? Ou orquestra de chorinho? Comentei inclusive que a luta das meninas Obama contra o sono e o tédio durante a apresentação de capoeira era comovente (cá entre nós, para quem não está gingando depois de um tempo a capoeira fica tediosa. E olha eu gosto muito de capoeira, mas impor isso a todo estrangeiro que vem aqui é provinciano). E é preciso notar que comentei isso antes do famoso jornalista Reinaldo Azevedo. Sei que muita gente vai ficar chateada com essas palavras, mas não posso deixar de falar sobre isso.

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