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Intervir ou não intervir. That is the question

Sou um democrata e acredito que as regras democráticas de convivência política permitem que se acomode – não sem alguma tensão – pontos de vista e estilos de vida diferentes. Mais que isso o respeito ao império da lei (Rule of Law) protege as minorias do arbítrio da maioria e a maioria da opressão da minoria. O defeito da democracia, para alguns é a morosidade necessária da negociação entre as correntes de opinião para que se chegue a soluções (que apesar de legitimas nem sempre agradam a todos). A meu ver é justamente nesse avanço paulatino que reside à vantagem de longo prazo desse sistema, isto por que sem o arrebatamento das ilusões utópicas não há justificação para atos de força e nem a desilusão das utopias desfeitas.

Não sou louco de dizer que o sistema é perfeito, mesmo por que a imperfeição é inerente ao ser humano e nesse sentido não acredito que experimentos sociais possam construir um homem superior e melhor – o novo homem que se tentou construir nos fracassados experimentos socialistas – a evolução ocorre como nos sugere a biologia de maneira gradual e lenta. É claro para mim que os padrões de vida da humanidade em muito evoluíram até mesmo no padrão moral. O que era aceitável como prática de guerra no período das guerras púnicas hoje já não é mais tolerado (ainda que tragédias e massacres ocorram). Isso para não falar de expectativa de vida, direitos individuais, acesso a educação, acesso a alimentos e por ai vai.

Essa digressão inicial que contraria as regras da boa escrita que determina que se deva logo no primeiro parágrafo entrar no assunto e esboçar os pontos que mais abaixo serão explicitados tem uma razão de ser. Essa razão não poderia ser outra se não as revoltas árabes.

Ontem o Conselho de Segurança aprovou a resolução 1973 que determina a criação da zona de exclusão aérea na Líbia. Não há dúvidas o que ocorre na Líbia é trágico e é uma guerra civil deflagrada. Não é raro na história que as guerras civis sejam particularmente caóticas e violentas com altos níveis de vítimas civis.

É deplorável que o ditador líbio use de violência sistemática contra todos os que se opõem a ele, mesmo em protestos pacíficos. Como é deplorável que reajam da mesma maneiras as autocracias do Golfo do Irã (que não é árabe, obviamente) ao Iêmen.

Um dos maiores impasses da política internacional – que se repete na academia – é saber o que fazer diante de uma tragédia humanitária. Nos extremos desse debate estão os irredutíveis defensores da soberania e os irredutíveis defensores da obrigação de intervir.

O primeiro grupo tem a soberania nos padrões vestfalianos um verdadeiro dogma das relações internacionais que nunca deve ser relativizado e por isso qualquer que seja a crise ou a tragédia dentro de um país deve ser resolvida por seus nacionais. Em geral também são relativistas morais e tendem a achar que qualquer conduta culturalmente aceita não pode ser objeto de crítica – nem algo odioso como a mutilação genital feminina.

O segundo grupo tem na universalidade dos direitos humanos o seu dogma em relações internacionais e qualquer grave violação dá margem a intervenção internacional. Esse grupo tende a valorizar mais ainda se há respaldo multilateral a essas intervenções. Para os partidários desse ponto de vista a degradação dos direitos humanos é uma ofensa a todos os seres humanos e deve ser coibida. A soberania para esse grupo é relativa e pode ser deixada de lado se o imperativo moral assim exigir.

Mas, como nós sabemos a política internacional raramente se dá em torno de ideais e sob o ponto de vista moral. É ponto pacífico que os interesses nacionais – e/ou de grupos de opinião influentes – são o ponto norteador dos cálculos políticos e sejamos francos os formuladores de política externa não possuem a menor cerimônia em emprestar visões consagradas (como as descritas acima) para justificar ações estratégicas necessárias, mas de difícil defesa publica.

E desse uso “cara de pau” de justificativas para encobrir verdadeiros motivos que alimentam as teorias da conspiração – que sabemos encontraram na internet seu habitat ótimo para a reprodução – e alimentam também a necessidade de ceticismo dos analistas. Ou seja, as relações internacionais não são ou preto ou branco e sim todos os tons de cinza.

O que quero dizer é que é difícil avaliar se é o mais correto intervir num conflito sangrento ou simplesmente observar impassível a distância enquanto seres humanos são mortos e massacrados. Ações provocam reações e intervir num conflito pode agravar esse conflito. Como já nos mostra intervenção na Somália que resultou em massacres.

Mas, ficar impassível é o mesmo que ser cúmplice do massacre. Ou alguém pode dizer que a não-ingerência em assuntos internos de outro país é algo que gere conforto diante do fato que tropas de paz da ONU assistiram o massacre em Ruanda.

E o que dizer de Darfur?

Correndo risco de parecer cínico diante da perda de vidas me parece que intervir ou não intervir não é uma questão apenas de principio geral e moral. E sim uma questão prática e por isso filtrada a luz do interesse nacional e condicionada pela conjuntura geopolítica.

Assim, uma intervenção – por mais que seus princípios digam que possui causa justa (sim, sou católico não posso escapar de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino) – deve ser implementada apenas se há justificativa estratégica no emprego dos meios militares e financeiros e social (ou seja, apoio da sua população). Isso explicaria o empenho da Itália, Grã Bretanha e França na questão líbia, afinal em sua direção vai o fluxo de refugiados e migrantes. E dos EUA que procura ganhar apoio da rua árabe. E também explicaria o fato de não haver movimentação parecida em torno de graves acontecimentos no Bahrein ou no Iêmen.

Meus caros não tenham dúvidas vocês leram argumentos parecidos em tom de denuncia nos próximos dias (se já não tiverem o feito). Sempre há quem denuncie as tristes obviedades da política internacional.

Sinceramente não sei como responder a questão título desse texto de maneira que seja uma forma geral tendo a achar que essa questão é uma questão para ser resolvida de maneira ad hoc e o meu marco seria a opção que preserve o máximo de vidas humanas possíveis.

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