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Estado das Forças Armadas do Brasil, Política Externa. Limites da capacidade brasileira de exercer poder

A inegável sensação de bem estar econômico que temos vivido nos últimos anos, o fascínio da grandiloqüência do ex-presidente Lula e a retórica de poder usada pelo ex-chanceler Amorim criou a noção de que o lugar do Brasil na “mesa dos grandes” está assegurado e mais deve ser exigido por meio de uma política externa ativista.

Claro que construir uma análise abrangente sobre a política externa do governo Lula é tarefa extensa e talvez mais apropriada em um artigo acadêmico ou em livros e de fato são muitos que se dedicam a essa análise. Recentemente até a prestigiada Revista Brasileira de Política Internacional dedicou um número especial (em inglês) a esse fim.

É fato que o Brasil conseguiu um espaço de destaque em vários dos organismos que originam importantes regimes internacionais. Com destaque nesse sentido as questões comerciais e financeiras (e os G-20 respectivos) e isso nos coloca em posição interessante no cenário internacional. Ou seja, o Estado brasileiro é capaz de influenciar os regimes internacionais. Ainda mais por que sabe se articular bem com outras potências emergentes. Facilita isso o interesse mútuo dessas potências em criar um cenário mais favorável.

O Brasil está entre as 8 maiores economias do mundo o que dá base real para o prestigio que parece ser a principal estratégia nacional. (Já há muito por isso mesmo tradicionalmente o país evita tomar partidos, assim se mantém apto a intermediar). Tudo isso é claro e com alguma justiça atiça e eleva a auto-estima da nação (se o termo se aplicar).

Contudo, é preciso ter clara a noção dos limites dessa política e do próprio poder do Brasil. Na busca por prestigio muita vezes a estratégia é se omitir em âmbito regional em temas que gerariam desgaste, mas que se espera que um líder regional se envolva. Em outras palavras, o Brasil por motivos estratégicos condena e se preocupa com a presença militar dos EUA na Colômbia, mas não oferece a Colômbia uma alternativa a essa ajuda e mais se recusa a ter nas FARC um grupo ilegal e terrorista. Isso manda um sinal claro a Colômbia que o Brasil não está muito disposto a colaborar de fato para a solução desse problema que desafia o estado constitucional e democrático da Colômbia. Nesse caso não é só a influência da simpatia ideológica que impede o Brasil de ser alternativa ao EUA. E sim a capacidade operacional tanto financeira quanto militar.

Eu tenho a opinião de que se comunica mal a sociedade brasileira os custos reais de uma política de poder. O poder no cenário internacional cedo ou tarde cobrará seu preço em tesouro e sangue. Ninguém diz que um lugar no Conselho de Segurança da ONU em algum momento nos obrigará a ter um envolvimento militar muito maior e mais perigoso que o do Haiti por exemplo. Não tenho ilusões aspirar a ser potencia seja num mundo multipolar, unimultipolar e qualquer uma das possíveis formas de uma nova ordem mundial exigirá custos altos.

Estará a sociedade brasileira pronta para enviar bilhões e bilhões para ajudar uma nação aliada a combater uma grave ameaça a sua existência e estabilidade?

Estará a sociedade brasileira apta a receber heróis caídos em nome da paz em alguma nação estrangeira longínqua?

Está ciente a sociedade brasileira que esse é o preço do protagonismo e liderança que os políticos em seu nome tanto almejam.

Um projeto de nação e de inserção internacional é algo muito importante, a meu ver, para ficar circunscrito apenas aos políticos (alguns poucos), militares, diplomatas e acadêmicos.

Abaixo deixo uma matéria publicada pela Folha de São Paulo de domingo, dia 13. A transcrição que faço é feita a partir do clipping do site do Exército Brasileiro. O texto dá conta de uma das maiores fragilidades do Brasil e um sério limitador na política de poder.

Metade dos armamentos do país está indisponível

Estudo do Ministério da Defesa revela fragilidade das Forças Armadas Blindados, navios e caças sem condições de combate e concentração de tropas no Sudeste expõem deficiência

Um levantamento reservado com uma detalhada radiografia das Forças Armadas brasileiras mostra o sucateamento do equipamento militar do país. Explicita também as conhecidas distorções na distribuição de tropas no território nacional, confrontando o discurso oficial de que a Amazônia é uma prioridade.

O estudo ao qual a Folha teve acesso é produzido pelo Ministério da Defesa e atualizado todo mês. Ele mostra que metade dos principais armamentos do país, como blindados, aviões e navios, está indisponível para uso.

O levantamento é usado provisoriamente pelo governo, enquanto não é elaborado o chamado "Livro Branco", que trará, segundo decreto assinado neste ano, todo esse diagnóstico.

O livreto obtido pela Folha tem 76 páginas e traz dados orçamentários, operacionais e de pessoal que são difíceis de encontrar com esse grau de detalhe.

Quando alguém precisa elaborar comparações com outros países, como fez a Folha em sua edição de 20 de fevereiro, a praxe é buscar fontes externas -confiáveis, mas não tão detalhadas.

O documento usado nesta reportagem traz um inventário dos chamados meios de cada Força, ou seja, os principais equipamentos para uso em guerra.
O resultado dá argumentos aos defensores do reequipamento militar, um processo caro, demorado e que costuma esbarrar em obstáculos como pressões políticas.

O caso da Marinha é paradoxal. Especialistas consideram a Força a mais bem aparelhada, mas 132 dos seus 318 principais equipamentos estão parados. Metade dos 98 navios está no estaleiro.

A aviação naval é figurativa: apenas 2 de seus 23 caças voam, e só para treino. Isso no fim de 2010 -hoje, só um funciona. O porta-aviões São Paulo ficou anos parado e agora está em testes.

DEFICIÊNCIA CRÔNICA

O Exército contribui para que o resultado geral de disponibilidade de meios atinja ilusórios 68% -isso porque a Defesa coloca na conta as "viaturas sobre rodas", que basicamente são quaisquer veículos. Dessas, 5.318 das 6.982 estão funcionando.

Dos 1.953 blindados do Exército, só metade está à disposição. Metade dos helicópteros está no chão, isso sem contar a deficiência crônica de defesa aérea, maior fragilidade militar do país.

Por fim, a Força Aérea tem indisponíveis 357 dos seus 789 meios, que incluem 48 lançadores portáteis de mísseis, todos funcionando. O governo avalia ter 85 dos seus 208 caças disponíveis, o que parece algo otimista. Seja como for, a renovação da frota de combate, unificada em um modelo, está postergada novamente por causa de cortes orçamentários.

Fica também explícito um problema que a Estratégia Nacional de Defesa editada em 2008 promete combater.

Na Estratégia, a Amazônia aparece como prioridade do Exército. Só que a disposição das tropas ainda reflete a ideia de que o país um dia poderia entrar em guerra com sua antiga rival, a Argentina, hoje longe de representar uma ameaça militar.

A região Sul concentra 25% das forças terrestres do Brasil, enquanto a área amazônica só tem 13% do efetivo. Outros 23% estão estacionados na área do Comando Militar do Leste, no Rio.

A concentração no Rio também é perceptível no poderio aéreo. Nada menos que um terço do efetivo da FAB está por lá, enquanto a enorme região Norte não soma 15% com dois comandos aéreos separados.

A Marinha também está baseada no Rio, de forma avassaladora: 71% do efetivo está lá. Há planos para criação de uma segunda esquadra no Nordeste e no Norte. Essa concentração no Rio é uma herança dos tempos em que a cidade centralizava o poder no país.

ASSIMETRIA

A Estratégia critica essa assimetria na disposição geográfica das tropas, mas a mudança depende de vontade política e de recursos cuja justificativa sempre é difícil num país de tradição pacífica e cheio de problemas sociais.

Por fim, o mapa lembra também detalhes do comprometimento financeiro. Em outubro de 2010, o governo gastou quase igualmente com pessoal ativo, aposentados e pensionistas, somando uma folha salarial de R$ 2,9 bilhões naquele mês.

No Orçamento de 2011, antes do corte anunciado recentemente pelo governo, a despesa com pessoal representava 72% do gasto total.

Ainda sobre pessoal, destaca-se a alta proporção de oficiais-generais. Há um deles para cada 971 homens. No mais poderoso exército do mundo, o americano, esse número salta para um para cada 1.400 soldados

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