O dia de hoje foi dedicado a refletir sobre a Líbia e a “Primavera Árabe”, meu intento com essa série de postagens é tentar pintar um quadro analítico plural que nos ajude a compreender melhor as forças em jogo e a partir daí construir projeções de cenários possíveis.
O texto que agora apresento é de autoria do professor universitário Dr. Mauricio Santoro e foi publicado em seu blog Todos os Fogos o Fogo. O texto é transcrito com autorização do autor e o original está disponível aqui.
A Revolta na Líbia
Cientistas politicos somos treinados para analisar instituições formais como partidos, sindicatos e ministérios, mas o caos na Líbia no que parecem ser os últimos dias do regime de Kadafi exige um outro tipo de interpretação, que leve em conta as tradições tribais do país. A longa ditadura proibiu partidos e associações cívicas, de modo que os vínculos da família estendida são o que restaram como contrapeso ao autoritarismo do Estado.
Relatos afirmam que 90% da Líbia já estaria sob controle dos diversos grupos rebeldes, incluindo duas das três maiores cidades do país, Benghazi e Misurata. Kadafi estaria isolado na capital, Tripoli, mas com problemas crescentes por lá, pois a tribo Tarhun, a qual pertencem um terço dos moradores da cidade, abandonou o ditador.
Robert Fisk, o lendário correspondente internacional do Independent,conseguiu chegar a Tripoli e envia reportagens sobre o estado fantasmagórico da capital líbia. Segundo ele, predomina o sentimento de que Kadafi está acabado.
As Forças Armadas estão divididas e marcadas por deserções, motins e estagnação. Muitos oficiais se recusam a cumprir as ordens de Kadafi em atacar a população civil. Para além das considerações éticas dos militares, a relutância vem do fato de que essas instituições foram formadas a partir do recrutamento de líderes tribais. Em momentos de crise aguda como este, as lealdades familiares falam muito alto. Não é a primeira vez, na década de 1990 a tribo Warfala tentou um golpe militar contra Kadafi.
Ao contrário de Mubarak (Egito) ou Ben Ali (Tunísia), Kadafi nunca foi homem da confiança do Ocidente e nas décadas de 1970-90 era um adversário odiado por seu apoio a grupos radicais. Tentou se reinventar nos últimos anos, oferecendo a isca de lucrativos contratos econômicos, mas as boas relações foram temporárias. As declarações das autoridades dos Estados Unidos e da União Européia estão um nível acima na crítica a Kadafi do que foram com seus colegas ditadores.
A rejeição internacional se intensificou com a deserção de vários diplomatas líbios na ONU, EUA e Europa, que pedem intervenções do Conselho de Segurança, com a decretação de uma zona de exclusão aérea que proíba os bombardeios contra a população civil. Isso foi feito no Iraque de Saddam Hussein, para proteger os curdos no norte do país. Tenho dúvidas se é boa idéia na Libia, pois uma ação estrangeira contra Kadafi poderia detonar uma onda de nacionalismo xenófobo na região, com consequências imprevisíveis nestes meses de revoltas.
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