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Depois do Egito, o desafio é o (não tão amigável) Bahrein

Desde a decisão de invadir o Iraque que a diplomacia dos Estados Unidos não se via passando dias tão duros como os que marcam o inicio desse ano. A onda de protestos que varre o Oriente Médio ainda que represente a força do ideário democrático propalado por Washington se converte em um desafio complexo.

Isso por que obrigam os Estados Unidos a tomarem em curto espaço de tempo decisões com profundas implicações futuras como abandonar um aliado de anos a própria sorte. S e agora parece claro que era preciso abandonar o apoio a Mubarak isso pode no futuro diminuir a confiança de aliados no compromisso americano. Ou seja, não é só a questão de ficar ao lado da história – seja lá o que isso signifique. Por outro lado alianças duradouras têm que engajar mais que líderes e elites políticas têm que ser percebidas como necessárias e/ou desejáveis pelas populações, isso age como um seguro em caso de mudança de governo. Contudo, o mundo real não se comporta como as abstrações teóricas.

As diferenças entre Egito e Bahrein são muitas a começar pelo tamanho das populações (80 milhões no Egito, 1,2 milhões no Bahrein), pelo grau de influência cultural e renda (o PIB per capita PPC do Bahrein é da ordem de USD 34.000 já o do Egito é da ordem de USD 5.000). O Bahrein é um país pequeno, insular, rico e governado pela mesma monarquia desde o século XVIII. As ilhas que formam o Bahrein já foram ocupadas por Portugal, depois pelo império Persa, a independência está ligada a monarquia já que foi liderada pelo príncipe de origem saudita que deu origem a dinastia no poder atualmente, depois disso foi protetorado britânico até os anos de 1970. (Aqui cabe notar que há várias grafias do nome do país ao que parece o mais correto seria Barém ou mesmo Bareine. Optei mesmo correndo o risco do erro pela versão que mais tem sido utilizada na grande imprensa).

bahrein Uma rápida consulta a um mapa nos mostra o porquê da importância geoestratégica dessas ilhas. Sua localização no golfo pérsico é privilegiada o que justifica os constantes avanços imperiais sobre elas que a história nos mostra. O arquipélogo se localiza entre o Catar e a Arábia Saudita e próximo ao Iraque, Irã, Kuwait. Por essa medida é lar da V Frota da Marinha dos EUA que patrulha (e assim garante a segurança de importantes campos de petróleo) o golfo pérsico e também servem para aumentar a pressão americana no desafiador Irã.

Não é preciso dizer quão importante são as bases navais para a estratégia americana na região e isso de certo dificulta muito a posição de Washington diante da dura repressão que o governo leva a cabo tentando conter o levante Xiita. E ai temos um novo fator complicador que é a existência dessa componente sectária nos protestos já que a monarquia e sua base de apoio provem da minoria sunita. A situação é complicada e a repressão brutal não ajuda que se busque uma solução satisfatória e pode colocar a monarquia em risco. Contudo, é preciso ter em mente os laços dessa monarquia com a monarquia da Arábia Saudita que dá mostras que intervirá na situação.

A família Saud – Casa Real – que governa a Arábia Saudita é um dos inimigos declarados da Al Qaeda então fica claro a possibilidade de que esses terroristas se envolvam caso haja uma intervenção saudita no Bahrein e as conseqüências disso podem ser bem graves para a população local. Claro que por enquanto esse cenário parece distante e um exagero diante de manifestações por mais igualdade política e econômica. É claro que considerações desse tipo devem ser feitas na tentativa de aventar cenários futuros e de estabelecer políticas de acordo com o objetivo. Nesse sentido apesar de parecer muito pouco – e de fato é – exortar as autoridades do Bahrein a terem parcimônia em suas ações é acertado. Claro, que é preciso mais que isso é preciso que não se avilte esses manifestantes de maneira a provocar o desejo de mudança completa de regime. Por que há uma boa parte, mesmo minoritária, que apóia a monarquia e a situação pode degenerar para algo próximo ou mesmo pior que o cenário descrito acima.

Ao mesmo tempo são lamentáveis as cenas de violência e as mortes na repressão desse protesto, que ao que tudo indica é pacífico. Ainda mais por que o Bahrein parecia estar no caminho de uma abertura que prometia ser maior que somente econômica. Afinal todos que assistem canais internacionais de noticiais, lêem jornais de negócios ou participar de feiras internacionais já se deparou com o otimista slogan do Bahrein: “Business friendly, Bahrain”. Algo como Bahrein, amigável para os negócios. Embora diante das imagens fica a sensação que não é assim tão amigável. Como sempre nos resta esperar pelo desenrolar da situação.

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