Os vazamentos de telegramas diplomáticos por parte do site WikiLeaks evidenciou o grande fluxo de negociações informais que se desenrolam em torno dos verdadeiros hot topics da seara internacional.
Antes de tudo é preciso ter em mente que certos conceitos que são amplamente aplicados na imprensa e nas conversas sobre o tema podem ser inadequados, isto é, costumeiramente se atribuem características humanas a entes não humanos, nesse caso os estados. E nesse processo se tenta escandalizar o natural, ou seja, os estados agem de acordo com seus interesses. Sim é incongruente, mas há quem grite em tom de denuncia que os Estados Unidos agem no mundo em nome de seus interesses.
Mais interessante que revelações quase anedóticas e pontuais foi a comprovação prática do que já se sabe há tempos em nível teórico. A comprovação de que os estados não são entes monolíticos e com uma única diretriz, além do reforço da velha noção dos neo-realistas de que não há separação de fato entre política interna e externa já que os resultados de ambas se impactam. Um bom exemplo dessas duas afirmações são os telegramas em que o embaixador americano em Brasília recomenda ao departamento de estado que busque se relacionar mais com o ministério da defesa do Brasil do que com o próprio Itamaraty. Assim, fica claro que dentro do governo brasileiro há correntes distintas de opinião e de atuação internacional, ainda que o Itamaraty tenha primazia dos canais oficiais de contato externo, seu monopólio na condução da política externa, contudo, não é mais possível para o desgosto, imagino, dos diplomatas que terão que conviver com resultados de ações daqueles que eles percebem como amadores.
Voltando ao macro. A literatura das relações internacionais dedica muitas páginas a questão da diplomacia secreta, demonizada – com alguma razão – no período posterior a primeira grande guerra, aliás, isso ajuda a explicar em parte o surgimento de um modelo multilateral mais transparente que foi tentado na Liga das Nações e encontrou na ONU uma organização mais duradoura.
Esse modelo público tem a virtude da transparência que evita os nefastos acordos secretos (que tem o seu auge na diplomacia de Bismark), contudo a transparência apresenta um desafio aos negociadores. É sabido que uma negociação envolve situações complexas como a conjuntura em que se desenvolve e as pressões internas provocadas pela psicologia dos negociadores, isso é multiplicado quando as negociações passam a contar com as correntes de opinião que pressionam e alteram os discursos dos líderes das partes em negociação (é claro que os líderes também tentam moldar essas forças), mudam agendas e forçam condutas aos negociadores. [Um bom estudo sobre isso é desenvolvido em RUBIN Jeffrey Z. BROEN Bert R. The Social Psychology of Bargaining and Negotiation. New York: Academic Press, 1975]
As pressões das correntes de opinião por vezes impedem que certos resultados sejam possíveis sob pena de perda política dos líderes. Imagine por exemplo, que Obama aceite se sentar para negociações formais com o Irã sem que se tenha alcançado a condição de que o Irã se comprometa com o reconhecimento de Israel. Obama ficaria numa situação difícil diante das pressões políticas internas e seria forçado a não aceitar fazer qualquer tipo de concessão. Por outro lado o líder Iraniano sofreria fortes pressões de dentro de seu governo de sua população se aceitasse sem nenhuma grande concessão a existência de Israel.
Esse tipo de impasse é mais comum do que parece em encontros bilaterais, em especial, quando há um contexto mais voltado ao conflito do que a cooperação. Uma solução que pode ser vista pelos mais idealistas como antiética, que são os canais secundários de negociação (tradução minha para Bach Channel Diplomacy – BCD, como é mais conhecida essa modalidade negociadora na literatura especifica). Ou seja, são contatos informais feitos em condições de segredo com o objetivo de se chegar a condições que possam alcançar resultados concretos em assuntos internacionais sem arcar com o peso político durante o processo. Contudo, ao contrário da velha diplomacia secreta não se firmam tratados internacionais secretos, o que se tem é um processo negociador mais discreto e menos pressionado.
Como bem coloca Anthony Wanis-St John (pesquisador associado do Center for International Conflict Resolution da Columbia University), em trabalho apresentado na International Association for Conflict Management Conference 2004, intitulado Back Channel Diplomacy: Implications for practice and theory:
Back channel diplomacy is an important aspect of international relations and merits further study as a distinct form of diplomacy from all research traditions that touch upon its significance. Future case studies should examine negotiations in paired sets, identify the pluralistic players, the degree of exclusion of subparties, the role of third parties, the proximity of negotiators to decisionmakers and the autonomy of the negotiators, and the interactivity between paired channels. Impacts on reaching agreement and implementation of an agreement should not be ignored. Such studies should, ideally, span several years of BCD use in order to test the proposals regarding the circularity of cause and effect when parties depend on BCD, the interaction of spoilers (their ability to mobilize against negotiated peace processes) and BCD, and the dynamics of the implementation dilemma.
A pergunta que fica é até que ponto revelações como as do WikiLeaks realmente colaboram para um sistema internacional mais estável, como sugerem alguns?
Somente a história será capaz de responder essa pergunta. Contudo, os velhos perigos do continuam válidos.
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