Esse blog ainda está em recesso (e, por conseguinte seu autor também) nesse inicio de ano. Contudo um assunto forçou o autor a sair de seu estupor de verão para escrever algumas linhas. O assunto foi a promoção de Benedicto Fonseca Filho ao posto de embaixador. O destaque se deu não por conta de seus trabalhos anteriores, ou de suas credenciais e supostas afiliações políticas e sim por conta da cor de pele, por conta de ser o primeiro embaixador negro.
Parece ser natural em um país onde atitudes racistas não são raras – infelizmente – que a imprensa dê destaque a “quebra de barreira” que foi a ascensão de Benedicto pelas fileiras do serviço exterior brasileiro em uma longa carreira que teve inicio com sua aprovação no CACD, em 1985.
Muito maior que a história racial (que sejamos honestos no atual contexto é sempre manipulada em nome de caminhos políticos e em muitos casos para o beneficio de alguns líderes da “causa”) para mim é o testemunho de crescimento pelo esforço pessoal que sua história nos mostra (e bem pode servir de exemplo para os muitos estudantes e candidatos aos cursos de relações internacionais que por aqui passam). A Folha de São Paulo publicou um interessante relato que mostra como os valores familiares e o apego ao estudo foram fundamentais na carreira desse diplomata. Tomo a liberdade de transcrever partes desse relato.
Nasci no Rio, em 1963. Mudei para Brasília em 1970 porque meu pai veio ser funcionário do Itamaraty. Ele foi agente de portaria, que é um contínuo.
Quando eu tinha nove anos, toda a família foi para a [antiga] Tchecoslováquia [no leste europeu], quando meu pai foi removido para Praga por três anos.
Naquele tempo, todos os funcionários das embaixadas eram de carreira. Hoje, esses são terceirizados.Foi essa experiência internacional que me despertou o interesse pelo Itamaraty. Talvez por ter estudado em escolas internacionais, na escola francesa e na americana.
Meu pai e minha mãe, na sua humildade, nunca pouparam esforços para nos proporcionar as melhores condições de estudo.Hoje, meu pai tem 84 anos, já é aposentado há 14. Minha maior satisfação foi eu ser promovido com ele ainda vivo. Ele ficou tão ou mais contente do que eu.
Fiz o concurso [do Itamaraty] em 1985 e entrei de primeira, aos 22 anos. Quando saiu a lista dos aprovados, um jornal de Brasília fez uma matéria que dizia: "Mulher e negro passam em primeiro lugar no Rio Branco". A mulher foi o primeiro lugar e eu, o segundo.Vinte e cinco anos depois, uma mulher passar em primeiro lugar já não causa tanto espanto. Naquela época, tinha só uma mulher embaixadora.Hoje, são várias mulheres embaixadoras, acho que 20, ocupando postos importantes.Talvez chame muito mais atenção quando um negro ascende na carreira do que uma mulher.Em relação à diversidade racial já avançamos muito, mas ainda temos muito que avançar. Houve um olhar para essa questão na gestão do ministro Celso Amorim.PRECONCEITOO preconceito nunca se apresenta claramente. No campo das relações humanas, você nota reação positiva ou negativa das pessoas.Mas seria leviano dizer que eu experimentei uma situação que pudesse identificar como preconceito [no Itamaraty]. Nunca houve.Me lembro de um caso [de reação positiva]. A primeira vez que fui à ONU em 2004, um colega do Caribe me chamou no canto para dizer que pela primeira vez via um diplomata negro na delegação brasileira.Ele enfatizou: "It's the first time ever, ever. We are proud" [É a primeira vez. Estamos orgulhosos].Eu faço um paralelo com os EUA, que tiveram um sistema de cotas importante para criar uma classe média negra que se autossustenta, que agora pode seguir em frente sem a necessidade de políticas diferenciadas.No Brasil, as cotas das universidades vão produzir uma diversidade salutar.
É interessante ver diversidade de idéias e origens no Itamaraty não precisa ser um gênio para perceber que isso gera um retrato mais apurado do que seria o interesse nacional, além do valor simbólico de representar a gama ideológica e étnica do Brasil. Contudo, acho uma tolice sem tamanho reduzir seres-humanos a categorias estanques, isto é, crer que alguém tem que pensar de uma certa maneira e ter certos valores por ser negro, branco, indígena, imigrante, mulher ou homossexual. Como bem colocou o diplomata e autor conhecido Paulo Roberto de Almeida com a fina ironia dos diplomatas em seu blog:
A Folha de S.Paulo publicou, nesta quinta-feira, 6 de janeiro de 2011, matéria sobre o que a FSP acredita ser o "primeiro embaixador negro" da história do Itamaraty. Pode ser, embora não está dito que ele é embaixador por ser negro, ou por ser um diplomata tão competente como tantos outros para merecer a promoção ao último posto da carreira, algo esperado por todos os que se dedicam, de verdade, à carreira.
Em uma aparente contradição com o que escrevi acima fico feliz que alguém possa crescer nas fileiras do serviço público e galgar postos de destaque sem que sua cor da pele, orientação sexual e gênero sejam obstáculos a isso. Ou seja, tudo passa a depender de sua responsabilidade pessoal individual. Para alguns pode ser assustador, para mim é de fato libertador.
Comentários
www.tabernadoviking2.blogspot.com
Assuntos pertinentes e interessantes
Muito bom mesmo!
Por: http://quaddronegro.blogspot.com/
o preconceito ainda existe em muitos lugares infelizmente.
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abç
Pobre Esponja
Na minha visão é preconceito esse tipo de comentário!
Ele chegou aonde está pela sua capacidade e independe de ser negro ou não!
Quando se observa esses detalhes de cor é por preconceito enraizado!
Parabéns pela matéria!!