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Dia da Ira no Egito: ainda no calor dos eventos


Os ativistas on-line que desencadearam o processo de protestos no Egito convocaram os cidadãos a participar dos eventos dessa sexta-feira (que é o dia reservado as orações no Islã, resumidamente o domingo dos mulçumanos) que por eles foi batizada de “Dia da Ira”. E foi o que se viu nas ruas do Egito, Ira. Na ação dos manifestantes, na repressão e no fogo que queimou a sede do partido do ditador Mubarak.

É fato que o calor dos acontecimentos não é o momento em que as melhores análises são tecidas, isto por que falta distanciamento para entender as correlações que causam a crise e a conformação posterior dessas forças e por que não estão disponíveis as melhores informações sobre o evento. Contudo, a gravidade dos eventos nos obriga a tentar delinear cenários plausíveis.

Há alguns dias assistimos a escalada dos protestos e da repressão e os motivos a essa altura já ficaram claros, como escrevi anteriormente é uma junção de desconforto econômico, ódio a repressão, aspirações de mudança social e política. Sim são motivos amplos e por isso mesmo conseguem congregar as diferentes correntes de opinião que compõem a sociedade egípcia.

Percebendo a movimentação via Internet o governo egípcio tomou providências radicais e nunca antes vistas na história (se me permitirem o termo) da Internet e derrubou todos os provedores de serviços. Esse radical bloqueio a Internet, contudo, não impediu que os protestos de hoje ocorressem e podem até ter exacerbado o ânimo dos manifestantes que sentiram que estão abalando e encurralando o regime.  

O Egito carrega um considerável peso geopolítico e por isso mesmo os acontecimentos estão sendo seguidos de perto por todos os principais atores na região, uma prova disso é que hoje vimos manifestações do regime iraniano e do governo dos EUA. Isso mostra bem a relevância do que vemos nas ruas do Cairo e de todo Egito.

A grande preocupação do mundo ocidental, principalmente dos EUA é conseguir aferir corretamente para que lado a situação pende. Os EUA estão intimamente ligados ao regime Mubarak e há uma intensa e próxima cooperação no campo de defesa entre os dois países. Em termos geoestratégicos o Egito é um parceiro indispensável para os americanos e seria uma completa alteração do equilíbrio nesse barril de pólvora chamado Oriente Médio, se um regime populista ou islamista ascender ao poder.

É preciso lembrar que o Egito é o coração do movimento pan-árabe liderado pelo general (e ditador) Nasser esse movimento culminou na Guerra dos Seis Dias, não é preciso ser grande conhecedor da história para saber o impacto que essa Guerra tem até hoje nas relações da região. Por sinal, uma das correntes de forte objeção a Mubarak está no fato dele ter aceitado um acordo de paz com Israel e ter reconhecido sua existência.  

E por isso mesmo não se pode esquecer ao elucubrar cenários para o Egito que o antiamericanismo é algo forte na região e talvez ainda mais forte seja a rejeição a Israel, é comum que vilões do cinema egípcio sejam israelenses, por exemplo. Isso pode explicar a vacilante resposta da Casa Branca e da diplomacia americana, afinal de um lado temos uma população lutando por valores que são caros a sociedade americana e que eles costumam se ver como grande propagadores por outro há um aliado de longa data que é uma força estabilizadora e favorável. Como coloquei em outro texto não é um momento fácil para os estados que mantém relações mais próximas com o Egito.

Dentre as muitas incertezas que cercam o futuro próximo do Egito há algo de certo, o resultado dessa convulsão social dependerá do papel que o Exército desempenhará nos próximos dias. O Exército é a uma das poucas instituições que possui a confiança da população e é um dos principais eixos de sustentação do regime. Como bem colocou Steve Coll em seu blog na “Cult” revista ‘New Yorker’:

Some American intelligence types I’ve run into this week suggest that the Egyptian Army is more closely tied to and controlled by the presidential palace than the Tunisian Army was. (I wrote about Tunisia in this week’s New Yorker.) Even if that is so, there is no way to predict how the generals will react to the dilemmas and opportunities of a revolt of this character. A cynical way to explain their position would be to observe that the uprising has provided an unplanned opportunity to stage a coup d’état, if the generals wish to carry one out. They may not even carry out the coup out of cynical motives. They may conclude that patriotism and justice require them now to switch sides, to stand with the population, which they are, after all, sworn to defend.

There have been reports that protesters are relieved to see the Army in the streets; no doubt, as in many other like countries, the Army has more credibility than the corrupt and often torture-prone police. The sense among generals and line officers that they have popular standing may influence the choices they now make. They could deliver an ultimatum to Mubarak, but fashion it to allow Mubarak to remain in office in exchange for an announcement of reforms and free elections. That is unlikely to quiet the streets, but it might. Or the generals could decide, as in Tunisia, that only Mubarak’s departure from office will create the necessary space for a transition.

Claro há a possibilidade do Exército simplesmente cumprir ordens e defender o regime com extrema violência (como quando do massacre da “Praça da Paz Celestial” ou mais recentemente da repressão no Irã).

É impossível não se solidarizar com o clamor por liberdade e pela coragem de desafiar um regime opressor. Impossível, também, não se preocupar com a integridade desses homens e mulheres, ainda mais com as forças de segurança que normalmente já são violentas ficando cansadas e cada vez mais pressionadas a terminar com os protestos.

Quanto aos muitos cenários futuros possíveis para o Egito e para a região, ainda há muita incerteza para termos noção de quais são mais ou menos prováveis. O certo é que é acontecimentos notáveis estão se desenrolando.

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