Pular para o conteúdo principal

Ler, Refletir e Pensar - Centenário de Noel

Há 100 anos nascia na cidade do Rio de Janeiro Noel de Medeiros Rosa ou simplesmente Noel Rosa o compositor que imortalizou a Vila Isabel no subconsciente de todos os apreciadores do samba. Artista prolífico deixou mais de 240 canções, além de filmes e de participações no teatro em apenas 26 de vida. Sua jornada como de tantos artistas e boêmios foi encurtada pela tuberculose. Essa vida breve, brilhante e poderosa alimenta as comparações com o famoso cometa de Harley. Sua vida foi sem dúvida fascinante e recomendo a leitura de suas biografias que relatam seus dramas, seus amores, enfim sua vida.

As letras de Noel demonstram uma habilidade de cronista das personalidades humanas com uma poesia trabalhada e precisa em que não se encontra termos sem necessidade e uma música sincera e respeitosa das raízes do samba, ainda que inovadora. Ele que era branco e de classe média se integrou ao samba naturalmente sem tentar se apossar da cultura popular e sem condenscedência. Isso fica claro em suas letras elegantes e simples que são uma verdadeira celebração da vida, da boemia e do samba e seu berço (que hoje chamamos de comunidades carentes).

Era um homem de seu tempo, um tempo que como o sambista Donga disse anos depois: “Ser músico era pior que ser comunista”. Mas, mesmo assim (ou por causa disso) seu samba é eterno seu primeiro sucesso é tão divertido e melodioso quanto era quando primeiramente foi gravado. “Com que roupa, eu vou? Pro samba que você me convidou” continua uma questão imortal.

Outra característica que sempre chamou minha atenção foi como seus sambas contam sempre boas histórias, imagino como seria o tamanho de seu sucesso na era dos vídeos-clipes. É impossível ouvir ‘Três apitos’ e não conseguir visualizar da torre ao “gerente impertinente” ou ouvir ‘rapaz folgado’ e não imediatamente perceber a animosidade da controvérsia entre os sambistas da época muito bem demonstrada no filme Noel – poeta da vila de 2006 dirigido por Ricardo van Steen. Isso para não falar das mais descritivas de suas canções como “Conversa de botequim” ou “Tarzan (o filho do alfaiate)” que é uma das minhas favoritas.

Eu descobri Noel Rosa ainda na adolescência graças ao fato do meu pai (que era grande conhecedor do samba e grande panderista e gostava de tocar sambas-canção e chorinho – e deixou muita saudade) ele ouvia quase que diariamente em seu carro o Song Book Noel rosa que apresentava quarenta canções do artista interpretadas por grande nomes do samba e da bossa nova. E desde que foi vencida a teimosia adolescente que achava que apensa heavy metal era música nunca mais parei de ouvir e admirar esse cantor e compositor de grande importância para a música e de uma inventividade e lirismo surpreendentes. Não é todo compositor que consegue uma rima tão singela e inesperada como:

“Amor lá no morro é amor pra chuchu
As rimas do samba não são I love you.
E esse negócio de alô, alô boy e alô Johnny
Só pode ser conversa de telefone...”

E é essa música que deixarei como reflexão nesse sábado, não só por que a canção é bela e significativa e ainda assim diferente das óbvias escolhas, mas por que contém uma advertência para nós que vivemos de observar o exterior. É bom, sempre, lembrar que algumas coisas são genuinamente nacionais e “não tem tradução no idioma francês”.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Sobre a política e suas narrativas por Creomar de Souza

A gravidade do momento político e econômico que o Brasil atravessa exige do cidadão contemplar alternativas e avaliar os argumentos das diversas correntes de opinião, nesse afã publico aqui com autorização expressa do autor um excelente texto sobre as narrativas em disputa mais acirrada pela condução coercitiva do ex-presidente Lula. Creomar de Souza (professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília) é uma das mais sensatas vozes desse país e um analista de uma serenidade ímpar. Leiam e reflitam. Ainda há intelectuais em Brasília. Sobre a política e suas narrativas Por Creomar de Souza Escrevo este texto sob o impacto imagético da entrada da Polícia Federal do Brasil na casa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O desdobramento da Operação Lava Jato em mais uma fase – relembrando um antigo sucesso dos videogames – e em mais um batismo – de fazer inveja a qualquer marqueteiro bem sucedido da Avenida Paulista – trazem à bai...

Ler, Refletir e Pensar: The Arab Risings, Israel and Hamas

Tenho nas últimas semanas reproduzido aqui artigos do STRATFOR (sempre com autorização), em sua versão original em inglês, ainda que isso possa excluir alguns leitores, infelizmente, também é fato mais que esperado que qualquer um que se dedique com mais afinco aos temas internacionais, ou coisas internacionais, seja capaz de mínimo ler em Inglês. Mais uma vez o texto é uma análise estratégica e mais uma vez o foco são as questões do Oriente Médio. Muito interessante a observação das atuações da Turquia, Arábia Saudita, Europa e EUA. Mas, mostra bem também o tanto que o interesse de quem está com as botas no chão é o que verdadeiramente motiva as ações seja de Israel, seja do Hamas. The Arab Risings, Israel and Hamas By George Friedman There was one striking thing missing from the events in the Middle East in past months : Israel. While certainly mentioned and condemned, none of the demonstrations centered on the issue of Israel. Israel was a side issue for the demonstrators, with ...