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12 meses em 12 textos: Mês de Março

Continuando a retrospectiva “12 meses em 12 textos”. Março foi um mês ativo tanto no blog, quanto na seara internacional. Foi um mês marcado pela posse (entristecida e com razão) de Sebastián Piñera, posse de Mujica no Uruguai e as até hoje indefinidas eleições iraquianas. Tivemos o inicio de negociações sobre a questão do contencioso do Algodão. E se iniciou na fase mais aguda a busca de Lula por um protagonismo ativista no Oriente Médio

Apesar de toda essa variedade de assuntos escolho um bastante local, quase paroquiano que diz respeito a nossa própria política externa. O texto foi originalmente publicado em 2 de março, aqui.

Politização ou partidarização da Política Externa Brasileira? Um ensaio exploratório

Em outubro do ano passado o ministro Celso Amorim anunciou sua filiação ao Partido dos Trabalhadores, sem dúvidas, seu direito como cidadão brasileiro em pleno gozo de seus direitos políticos. Contudo, esse ato vindo de um diplomata de carreira no mais elevado posto possível no MRE, rompeu um tabu antigo que tem suas origens nas concepções de apartidarismo do Barão do Rio Branco. Esse referido tabu previa uma visão da diplomacia como uma ocupação de estado que deveria pairar acima da problemática partidária se ocupando dos interesses do Estado Brasileiro. Ou seja, seria uma carreira típica do Estado como hoje é conhecida.

Esse não engajamento político-partidário (ao menos claramente definido) tem seus efeitos na maneira como é vista política externa e por que não as relações internacionais por parte da sociedade e pelos partidos políticos. A matéria embora surja forte no debate político em períodos agudos permanece num limbo, tendo suas grandes definições feitas por mentes burocráticas e alguns poucos ungidos (que por seus méritos acadêmicos se fazem ouvir).

Esse pouco envolvimento público pode ser por uma ótica algo que permite uma boa margem de manobra para a formulação de política externa e até mesmo de estratégias internacionais, contudo isso pode resultar em dificuldade de justificar aos grupos de opinião pública posturas e resultados dessas políticas. Um exemplo recente foi quando das negociações da adesão da Venezuela junto ao MERCOSUL. O debate somente ocorreu quando o acordo chegou ao Congresso Nacional para o processo de ratificação. E ainda assim foi um debate insipiente e de maneira geral pouco informado acerca das especificidades do acordo e de sua negociação.

Outro bom exemplo é o pouco controle externo exercida pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que aprova facilmente (como costumeiro no legislativo brasileiro) os nomes para cargos de alta relevância, em suas sabatinas. Ainda que isso reflita a fragilidade do Congresso, o que se tem convencionado chamar de super-presidencialismo. Indica, também, a baixa relevância prática da matéria para os partidos, que incluem em seus discursos.

Essa deferência as escolhas do Itamaraty não advém somente do baixo envolvimento dos partidos na práxis das relações exteriores, mas também da reconhecida competência técnica e intelectual dos quadros do MRE, justiça seja feita. Esse quadro de baixo envolvimento e de concentração e deferência por vezes excessiva geram uma questão institucional relevante em um país como o Brasil que se pretende uma democracia representativa plural. O principal é a falta de controle externo e de acesso a informação.

Dessa maneira é saudável e desejável que os partidos se envolvam mais em política externa, não só os partidos, mas toda sociedade, dessa maneira o debate se torna mais fidedigno na concepção de interesse nacional e das estratégias a serem desdobradas, óbvio que uma boa parte das concepções estratégica recai aos políticos eleitos, ministros e assessores e aos burocratas. Por força de atribuição de mandato público ou por força de atribuição funcional. Isso torna a política externa, uma política pública formulada de maneira mais democrática, embora o debate e embate político possam ser paralisantes em alguns momentos. O tema deveria dada a importância dos assuntos internacionais ser mais presente nos debates político-partidários.

Há outro lado da questão que diz respeito da conveniência da partidarização dos quadros do MRE, ou seja, a vinculação dos servidores desse ministério a partidos específicos. O isolamento partidário permite que a política externa, mesmo sofrendo correções de rumos, avance sem solavancos especialmente em períodos de transição. Um maior envolvimento direto com partidos pode abrir caminho para uma ingerência grande no dia-a-dia da política externa. E que essa se vincule ao jogo de interesses partidário somente. Rompendo com tradições o que pode levar entre outras coisas ao desprestigio da própria profissão.

Outro risco associado é que a escolha ideológica e partidária supere outros critérios tanto no acesso ao serviço diplomático, como no avanço dos diplomatas em suas carreiras. Essa fuga da tradição ou tabu de não envolvimento pode levar a situações em que simpatias ideológicas e partidárias possam gerar problemas para a diplomacia brasileira como exemplifica o Cientista Político, Dr. José Alexandre Hage em seu paper intitulado “Do exército ao Itamaraty: a desarticulação do Estado brasileiro”, publicado no Boletim de Análise de Conjuntura Meridiano 47 (Meridiano 47 n. 114, jan. 2010 [p. 38 a 41]):
“[...] da mesma forma que o Exército brasileiro, o Itamaraty também vem sofrendo “ajustes” de teor ideológico e programático que pode ser considerado uma mudança de rota, agora mais à esquerda. Isto porque se havia algo que a Chancelaria muito valorizava era sua relativa distância de embates temporais e se pretendo aquilo que mais tinha noção de permanente e relevante ao interesse nacional – interesse nacional acima de querelas governamentais e partidárias. Mesmo correndo o risco de leviandade se pode dizer que o apego exagerado da Casa à questão hondurenha traduz a alteração de comportamento, imputando valores e aceitando visões que mais atrapalham a atividade exterior do que contribui para bom trabalho.”
A questão se mostra complexa já que de maneira conceitual nada deve impedir que um cidadão em pleno gozo de seus direitos políticos se filie ou não há um partido, salvo por força de lei e claro por força da sua própria consciência. Por outro lado uma interferência exagerada da política partidária pode complicar o bom exercício da atividade pública, já que a democracia preconiza e se serve bem da alternância de poder.

Não que eu a priori julgue que um diplomata não seja profissional para exercer sua profissão com afinco, diligência e eficiência quando um partido diferente do seu esteja no poder. O maior risco, a meu ver, está no serviço com zelo de recém convertido quando o governo da vez for do seu partido. A questão se apresenta numa inflexão demasiada em um governo que tenha mais os interesses e visões desse partido em mente que a do país de uma maneira geral. Uma solução potencialmente conflitiva para essa questão da partidarização estaria no controle externo do legislativo e da sociedade (a politização da questão), embora seja óbvio que esse controle no congresso pode na prática se converter em nada mais que uma mera faceta do embate partidário.  

Fosse meramente uma questão de escolha um por outro como se apresenta no título a escolha seria pela politização da política externa, uma vez que as virtudes disso superam em muito as inconveniências. Contudo a questão é muito mais complexa e clama por um envolvimento dos partidos, das entidades civis, dos grupos de pressão e dos eleitores. Para que tenhamos uma política externa cada vez mais democrática e por isso mesmo mais representativa e de formulação mais complexa. Ainda que muito tenha se avançado nisso.  

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