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12 meses em 12 textos: Mês de Maio

Continuando a retrospectiva “12 meses em 12 textos”. Maio foi o mês em que avançaram negociações com o Paraguai, mês que viu a volta dos “Tories” ao poder no Reino Unido e o mês da conferência de revisão do TNP e o mês que viu um momento agudo da crise grega. Contudo o tema do mês foi o “acordo” com o Irã.

O texto que selecionei foi publicado originalmente em 18 de maio, aqui.

Acordo iraniano. Ou quem quer ser fiador?

O Brasil, ou melhor, o governo brasileiro (leia-se governo Lula) conseguiu o que julga ser uma grande vitória da diplomacia brasileira, sem dúvida será assim veiculado pelo governo e seus defensores. É natural que políticos celebrem o que consideram ser suas vitórias. Uma análise internacional, feita independentemente (como as feita na academia são ou deveriam ser) deve ser construída com lógica e dados. Nesse sentido ainda carecemos de dados, precisamos das “fine prints” do acordo, das letras miúdas do tratado.

O ambiente nacional está cada vez mais “contaminado” pelo debate eleitoral e nesse sentido críticas a política externa são tidas como tendo fundo eleitoral, tanto que me sinto compelido a escrever essas letras explicativas das minhas intenções e o faço não para dar satisfações a uma suposta patrulha de conduta, mas sim para que eu possa ser entendido da melhor maneira possível.

O acordo nuclear com Irã é a mais nova faceta da estratégia nacional de ser um global player, o que implica em ter influência e atividade política em várias regiões do mundo, distintas das esferas imediatas. A questão continua a ser de ordem tática, isto é, em que partes do mundo e em que tipo de situações vamos participar? Logicamente o que norteia isso é o senso político das lideranças e o interesse nacional (e como ele é percebido pelas lideranças).

A assinatura pelos ministros de relações exteriores do Irã, Turquia e Brasil desse documento que prevê segundo relatos o envio de material nuclear enriquecido para que a Turquia seja fiel depositária, e transcorrido um período de tempo determinado o Irã receberia material em forma de combustível nuclear para seu reator experimental. Basicamente, o mesmo acordo proposto pela AIEA, em outubro, do ano passado, que foi inicialmente aceito, posição que se reverteu logo após.

O Brasil empenhou bastante de seu capital político, duramente acumulado via crescimento econômico dos últimos anos, em provar para a comunidade internacional que é capaz de atuar em situações limites e delicadas e de que o Irã é potencialmente um “bom cidadão” internacional caso este não seja pressionado, ou seja, a tese principal de Brasília é que a negociação e concessão seriam modelos melhores para lidar com a República Islâmica do que a pressão e as sanções. Contudo, essa tese para ser empregada necessita que seus executores de um lado minimizem as declarações do Ahmadinejad e a repressão brutal que o regime realiza aos seus opositores, minorias religiosas e sexuais e por outro exaltar a legitimidade e o caráter estatal desse relacionamento que seria calcado na igualdade jurídica entre os estados e na não-intervenção (que justifica o silêncio ante a repressão).

Ao mediar esse acordo, que não é completo, e sim pouco mais que uma declaração de intenções o Brasil de certo modo se torna um fiador do comportamento do Irã, juntamente com a Turquia é verdade, mas este tem motivos reais para o envolvimento na questão. Sem contar que a despeito da publicidade pessoal que tão bem faz o presidente Lula, foi preciso a pressão de potências outras para encaminhar esse entendimento, como a clara iniciativa russa, que voltou a agir na região, que voltou a ter uma política de potência, de império, diriam alguns.

Do ponto de vista global, as potências européias receberam com ceticismo e desconfiança o acordo, que é justificável dado o histórico das negociações nucleares e as reiteradas vezes que o governo iraniano dificultou ou até mesmo impediu a atuação de inspetores nuclear da AIEA, que são imprescindíveis para dar legitimidade e validade a tese de exclusividade civil do programa nuclear do referido país.

Esse passo de “boa vontade” (que deve ser provada) pode não passar de um estratagema da diplomacia iraniana, para minar os esforços liderados pelos EUA, para o endurecimento de sanções, sem, contudo retroceder em sua agenda nuclear seja a declarada ou a suposta armamentista. Assim o acordo dificulta a ação do Conselho de Segurança, mas não cria confiança na região. Ou seja, apesar de todo o esforço e estardalhaço sendo feito não há sinal de que esse acordo vá criar um caminho que afaste a real sombra de conflito bélico.

Mesmo por que o Irã nos últimos anos tem sido ambíguo em matéria nuclear, afirmando que seu programa é justo e para uso civil, ao mesmo tempo em que impede inspeções e que mantém instalações secretas, além dos testes de mísseis que podem ser usados como vetores de armamento. Nesse particular usa as supostas ameaças de intervenção dos EUA, ou de Israel, como justificativa, para a posse “defensiva” de ogivas nucleares, contudo, ameaça reiteradamente de varrer do mapa Israel, o que não deixa de ser uma ameaça de uso, de “first strike”. Qual das duas versões dadas pelo regime é a verdadeira?

Se o alcance do entendimento será realmente um passo para um melhor relacionamento da região ou apenas um embuste para evitar as sanções do CS, só o tempo dirá. Mas, que de agora em diante, uma parte da reputação brasileira está atrelada ao comportamento iraniano, isso é fato. Que conseqüências isso trará? Também, resta por saber. Como sempre recomendo prudência na hora de comemorar vitórias ou lamentar derrotas em política externa. Afinal o acesso a dados confiáveis é vital para uma boa analise além de objetividade, nesse momento o ufanismo pode exagerar as virtudes da política externa brasileira, bem como se pode incorrer no inverso e diminuir a ação.

Uma avaliação que pode ser feita a priori, é que as questões do Oriente Médio, entraram em uma fase mais multilateral, com novos atores tentando influir na região, com a volta da Rússia, com a Turquia, com a China e o Brasil. Além, dos tradicionais atores europeus e EUA. Todos misturando interesses políticos, econômicos e energéticos. Ou seja, muito se fala em paz, em causa palestina, em justiça, enfim em nobres motivos, mas podemos ver agendas políticas “tradicionais”, isto é, poder. Seja espalhando influência, modos de vida (e isso vale para EUA e Irã).

Para o bem ou para o mal o Brasil agora está envolto numa das mais voláteis regiões do mundo, em um papel aproximado ao papel de um fiador. Temos um relacionamento tão próximo e com tanta confiança assim com o Irã a ponto de ser uma espécie (isso por que não há acordo especificando isso, mas empenhamos muito esforço e imagem nesse entendimento) de fiador?

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