Pular para o conteúdo principal

12 meses em 12 textos: Mês de Dezembro

Continuando a série retrospectiva “12 meses em 12 textos”. Dezembro no plano internacional está vendo crises nas Coréias, só para variar um pouco e é o mês dos vazamentos do WikkiLeaks.

Nossa retrospectiva termina com um texto sobre o Brasil e os WikkiLeaks, o texto original foi publicado em 3 de dezembro, aqui.

Revelações do WikiLeaks e Brasil – I

O vazamento de documentos da diplomacia americana continua a dominar as atenções da imprensa em muito por conta do método de liberação paulatina dos documentos. Os primeiros documentos produzidos pela embaixada dos EUA, em Brasília, vazados provocaram um mal-estar na esplanada dos ministérios.

Os comentários (devidamente negados) do ministro Jobim expuseram a velada disputa por influência entre ministros e pastas na busca pela primazia da formulação da política externa brasileira.

É fato notório que ninguém gosta de perder poder e prestigio e isso é particularmente verdadeiro em burocracias estatais onde a perda de poder e prestigio é acompanhada pelo inevitável corte orçamentário (ou manutenção do nível de dotação enquanto há expansão em outras partes da máquina).

Muito mais que expor o extremamente transparente (e até certo ponto celebrado por muitos) viés anti-norte, antiamericano do comando do MRE. E aqui é preciso clarificar para quem não acompanha de perto as relações internacionais que esse viés não quer necessariamente dizer rompimento de relações bilaterais ou uma política de hostilidade declarada e sim uma série de ações que parecem afirmar a independência brasileira, mas são tomadas com base em não “aquiescer” aos Estados Unidos e não com base no interesse nacional. Afinal, nada mais natural do que discordar dos EUA quanto assim aponto o interesse nacional.

O que o vazamento expôs é a intima comunicação entre política interna e externa, que alguns analistas e teóricos parecem acreditar que são hermeticamente separadas. Ou seja, em sua busca por uma melhor posição nas decisões do governo o ministro Jobim construiu uma boa relação com o embaixador americano, uma relação de confiança pelo teor das conversas. Essa relação o colocaria como alguém que tem que ser levado em conta quando o assunto fosse Estados Unidos e visava dar autonomia a defesa para conduzir algumas ações externas sem necessariamente precisar do crivo de aprovação do MRE e de Marco Aurélio Garcia.

As revelações do que pensam os diplomatas americanos e o que consideram relevante para informar seu ministério é uma boa ferramenta para aferir os modelos analíticos usados no mundo real e como são muito mais intuitivos do que os modelos paradigmáticos da sistematização acadêmica. Isso mostra o quanto o conhecimento e a cultura são necessários para a analise das relações internacionais, mas que essa não prescinde da experiência e do tato do analista, de um certo desprendimento a métodos rígidos (ainda que possamos ver conceitos e influências teóricas, algo muito próximo do que tratei na postagem “Pensamento sem teoria?”), mas sobretudo expõe algo que meu querido professor Martchenko sempre tentou nos ensinar analisar relações internacionais é acima de tudo coletar e processar informações.

Para os estudantes que aqui freqüentemente aportam essa é uma lição e tanto, a segunda que podemos depreender desses vazamentos. A primeira é o ceticismo quanto a versões e notas oficiais que tratei no texto anterior.

_______________________
P.S: Sem dúvidas há outros aspectos a serem debatidos, portanto novos textos serão publicados. Nesse meio tempo recomendo uma interessante postagem no blog do Dr Mauricio Santoro – Todos os fogos o fogo. As integras dos telegramas podem ser lidos no conhecido site – Política Externa

Comentários

Unknown disse…
esse foi algo... revelador...o que aconteceu...esses vazamentos...
Unknown disse…
assunto interessante,,,agora como tudo e internt,,,fica mas facil esses vazamentos...tem que ficar esperto...

Postagens mais visitadas deste blog

Fim da História ou vinte anos de crise? Angústias analíticas em um mundo pandêmico

O exercício da pesquisa acadêmica me ensinou que fazer ciência é conversar com a literatura, e que dessa conversa pode resultar tanto o avanço incremental no entendimento de um aspecto negligenciado pela teoria quanto o abandono de uma trilha teórica quando a realidade não dá suporte empírico as conjecturas, ainda que tenham lógica interna consistente. Sobretudo, a pesquisa é ler, não há alternativas, seja para entender o conceito histórico, ou para determinar as variáveis do seu experimento, pesquisar é ler, é interagir com o que foi lido, é como eu já disse: conversar com a literatura. Hoje, proponho um diálogo, ou pelo menos um início de conversa, que para muitos pode ser inusitado. Edward Carr foi pesquisador e acadêmico no começo do século XX, seu livro Vinte Anos de Crise nos mostra uma leitura muito refinada da realidade internacional que culminou na Segunda Guerra Mundial, editado pela primeira vez, em 1939. É uma mostra que é possível sim fazer boas leituras da história e da...

Ler, Refletir e Pensar: The Arab Risings, Israel and Hamas

Tenho nas últimas semanas reproduzido aqui artigos do STRATFOR (sempre com autorização), em sua versão original em inglês, ainda que isso possa excluir alguns leitores, infelizmente, também é fato mais que esperado que qualquer um que se dedique com mais afinco aos temas internacionais, ou coisas internacionais, seja capaz de mínimo ler em Inglês. Mais uma vez o texto é uma análise estratégica e mais uma vez o foco são as questões do Oriente Médio. Muito interessante a observação das atuações da Turquia, Arábia Saudita, Europa e EUA. Mas, mostra bem também o tanto que o interesse de quem está com as botas no chão é o que verdadeiramente motiva as ações seja de Israel, seja do Hamas. The Arab Risings, Israel and Hamas By George Friedman There was one striking thing missing from the events in the Middle East in past months : Israel. While certainly mentioned and condemned, none of the demonstrations centered on the issue of Israel. Israel was a side issue for the demonstrators, with ...

Teoria geral do comércio de Krugman e Obstfeld

Modelo elaborado por KRUGMAN e OBSTFELD (2001, p 65) propõe um formato de comércio internacional baseado em quatro relações: a relação entre a fronteira de possibilidades de produção e a oferta relativa; a relação entre preços relativos e demanda; a determinação do equilíbrio mundial por meio da oferta relativa mundial e demanda relativa mundial; e o efeito dos termos de troca [1] sobre o bem estar de uma nação. Quanto ao primeiro item a inferência desse modelo é suportada pelo conceito microeconômico que uma economia, sem deformidades, produz em seu ponto máximo da fronteira da possibilidade de produção, como esse modelo assume mais de um fator e mais de um bem, a forma como a distribuição se dará será determinada pela oferta relativa de determinado bem alterando as possibilidades de produção de toda a economia por alocar mais recursos na produção desse bem. No que se refere à relação entre preços relativos e demanda pressupõe que a demanda por determinado bem deriva da relação entre...