Pular para o conteúdo principal

Uma invasão mal concebida uma retirada precipitada

O brutal ataque de extremistas que se supõe ligados a Al Qaeda a uma Igreja Católica no Iraque que até o momento segundo relatos da rede CNN já vitimou 58 freqüentadores da Igreja. E esse ato de terrorismo enseja uma reflexão sobre essa guerra (ainda que incompleta é claro).

Nada foi tão controverso nos últimos anos do que a decisão do governo dos EUA de depor o ditador (sanguinário, por sinal) iraquiano Saddam Hussein.Essa decisão causou tensão entre os EUA e várias correntes da opinião pública mundial e principalmente tensão com os governos parceiros da OTAN.

Deixando de lado toda a controvérsia sobre as intenções da invasão e da falsificação ou não de dados por conta dos serviços de inteligência britânicos e norte-americanos. O fato é que a invasão ocorreu e no primeiro momento foi bem sucedida, isto é, as forças aliadas foram capazes de derrotar o exército regular iraquiano e depor o regime estabelecido com relativa facilidade.

Mas, como seria de se esperar manter a conquista se mostrou complicado. Afinal o regime ditatorial deposto mantinha a coesão social por meio de uma violenta repressão e com a retirada desse aparato estatal os líderes de diversas facções passaram a ver a oportunidade de amealhar poder com suas milícias particulares. A resistência e insurgência contra ocupação foram alimentadas também por grupos islamistas que viram na legitima demanda por autonomia e soberania do povo uma ferramenta de recrutamento de particular eficiência ainda mais por que é aliada ao forte viés religioso, tudo isso em meio a uma cultura de violência minou as esperanças utópicas dos políticos americanos que pressupunham que seriam “libertadores”.

Não só isso que menciono acima é importante fator que conta para a radicalização muito contou os atos estúpidos de soldados regulares da aliança (Abu Ghraib, por exemplo) e das tropas particulares das ‘empresas de segurança’ (belo eufemismo para mercenários) e a violência e corrupção do governo local estabelecido com apoio das forças de ocupação.

É uma guerra que por essas características se tornou muito difícil de ser travada para os soldados americanos é o que se chama na literatura de defesa de guerra assimétrica. Isso resultou numa contagem de mortos enormes e em gastos militares crescentes que acabaram por gerar muito stress na capacidade de emprego militar dos EUA. E no front interno se tornou uma fonte de preocupações e disputas políticas e como é sabido desde os tempos de Sun Tzu a coesão interna é primordial para o sucesso de uma campanha militar.

Isso fica claro ao se estudar a história recente principalmente o caso da Guerra do Vietnã na qual os EUA não foram derrotados militarmente, nem mesmo a sangrenta e engenhosa Ofensiva do Tet que impôs humilhantes derrotas (creio que as imagens do ataque a embaixada dos EUA em Saigon com os ‘marines’ atordoados tentando defenderem o prédio, vêem a cabeça de todos quando lêem o termo Ofensiva do Tet) acabou por ser debelada. Contudo, a ‘batalha do front interno’ foi perdida independente do campo militar, isso por que vários grupos movidos ideologicamente se mantiveram firmemente contra a guerra e repercutiam cada baixa (amiga ou inimiga) com engajamento de artistas e figuras queridas do público. O que acabou motivando a brutal Operação Linebacker que foi uma campanha de bombardeio aéreo que acabou por levar a negociação que findou a guerra.

Esse paralelo, contudo não é de todo compatível, por que mesmo com toda a oposição a guerra ela não consegue causar a mesma comoção na opinião pública que foi vista nos anos do Vietnã. É claro que esse movimento foi eficiente o suficiente para que sua agenda se tornasse uma das principais bandeiras externas do atual presidente Barack Obama.

Nos últimos anos da administração Bush foi iniciada uma estratégia chamada de “surge”, ou seja, uma estratégia calcada no aumento de soldados em combate, extensão dos períodos de serviço ativo e programas de operações especiais de combate e outros de tarefas de não combate. Por sinal esse blog prepara um estudo em conjunto com um correspondente especial que é militar da ativa do Exército dos EUA para tratar dessas operações de Contra Insurgência (Counter Insurgency – COIN) e as Military Ops Other Than Wars (MOOTW), que têm ramos interessantes de operações especiais como ‘civil affaris’ (contudo por razões de agenda e de tempo não posso dar uma data para publicação desses artigos). Essa estratégia estabilizou o Iraque e deu espaço para que a guerra do Afeganistão se tornasse prioridade para o presidente Obama.

Sempre foi dito que a saída dos EUA do Iraque seria de forma responsável sem maiores esclarecimentos e definições do que seria esse responsável. O que se viu foi à saída sendo determinada por fatores políticos. A saída dos Estados Unidos da missão de combate deixou um vácuo no poder que o combalido e desacreditado governo iraquiano foi capaz de ocupar, abrindo espaço para o recrudescimento dos insurgentes.

Afinal, é preciso além de derrotar os combatentes promover melhorias nas relações sociais e gerar oportunidades que retirem grande parte do estimulo que leva os iraquianos a perpetuarem a violência, por isso mesmo terroristas e insurgentes freqüentemente atacam em filas de emprego e centros de recrutamento da polícia e das forças militares do Iraque. Essa insurgência é endógena e também exógena é notório o envolvimento do Irã nessas operações expandindo a sua zona de influência no vizinho e antigo inimigo. Sem contar o crime organizado, por vezes liderado por membros das forças envolvidas que se infiltra numa zona de conflito. Não é difícil de imaginar que há oficiais militares americanos corruptos vendendo armas e contrabando no Iraque. O mesmo vale para militares iranianos.

O ato violento de hoje é um lembrete de quanto deve ser bem planejada e pesada a decisão de entrar em batalha. E o quanto a precipitação para começar ou terminar uma guerra gera tragédias. Pode-se dizer na linha do Tio Ben das revistas do Homem-Aranha que com grande poder coexiste uma grande responsabilidade. E é preciso dizer que considerar a guerra contra Iraque como perfeitamente evitável não quer dizer que alguém aderi ao simplismo dos que crêem que com Saddam era melhor. 

Comentários

Hocus Pocus disse…
Realmente, não sei nem o que dizer. O que houve com as vítimas da igreja foi mesmo uma tragédia.

http://beeremall.blogspot.com/

Postagens mais visitadas deste blog

Crise no Equador

Sob forte protesto das forças policiais e parte dos militares, que impedem o funcionamento do aeroporto internacional de Quito. Presidente Correa cogita usar dispositivo constitucional que prevê dissolução do Congresso e eleições gerais. Mais uma grave crise política na América do Sul. Numa dessas coincidências típicas de se analisar as coisas internacionais discutia semana passada numa excelente postagem de Luís Felipe Kitamura no laureado blog Página Internacional a situação equatoriana. A postagem tinha como título Equador: a instabilidade política e suas lições . Na qual o colega discorria sobre o péssimo histórico de conturbação política do país andino e sobre como o governo Correa parecia romper com isso usando a receita da esquerda latina de certo pragmatismo econômico e políticas distributivas. Mas, justamente a instabilidade política que parecia a caminho da extinção volta com toda força em um episódio potencialmente perigoso, que contundo ainda é cedo para tecer uma análise

Meus leitores fiéis, pacientes e por vezes benevolentes e caridosos

Detesto falar da minha vida pessoal, ainda mais na exposição quase obscena que é a internet, mas creio que vocês merecem uma explicação sobre a falta de manutenção e atualização desse site, morar no interior tem vantagens e desvantagens, e nesse período as desvantagens têm prevalecido, seja na dificuldade na prestação de serviços básicos para esse mundo atual que é uma boa infra-estrutura de internet (que por sinal é frágil em todo o país) e serviço de suporte ao cliente (que também é estupidamente oferecido pelas empresas brasileiras), dificuldades do sub-desenvolvimento diria o menos politicamente correto entre nós. São nessas horas que vemos, sentimos e vivenciamos toda a fragilidade de uma sociedade na qual a inovação e a educação não são valores difundidos. Já não bastasse dificuldades crônicas de acesso à internet, ainda fritei um ‘pen drive’ antes de poder fazer o back up e perdi muitos textos, que já havia preparado para esse blog, incluso os textos que enviaria para o portal M

Extremismo ou ainda sobre a Noruega. Uma reflexão exploratória

O lugar comum seria começar esse texto conceituando extremismo como doutrina política que preconiza ações radicais e revolucionárias como meio de mudança política, em especial com o uso da violência. Mas, a essa altura até o mais alheio leitor sabe bem o que é o extremismo em todas as suas encarnações seja na direita tresloucada e racista como os neonazistas, seja na esquerda radical dos guerrilheiros da FARC e revolucionários comunistas, seja a de caráter religioso dos grupos mulçumanos, dos cristãos, em geral milenaristas, que assassinam médicos abortistas. Em resumo, todos esses que odeiam a liberdade individual e a democracia. Todos esses radicais extremistas tem algo em comum. Todos eles estão absolutamente convencidos que suas culturas, sociedades estão sob cerco do outro, um cerco insidioso e conspiratório e que a única maneira de se resgatarem dessa conspiração contra eles é buscar a pureza (racial, religiosa, ideológica e por ai vai) e agir com firmeza contra o inimigo. Ness