Pular para o conteúdo principal

Costa Rica e Nicarágua: Uma nova crise na América Latina

Gabriel Garcia Márquez recebeu um prêmio Nobel de literatura por sua obra descrita como realismo fantástico, contudo nem em seu mais imaginativo livro o autor colombiano poderia criar uma trama tão fantástica quanto a disputa de fronteira entre Costa Rica e Nicarágua. Afinal o que dizer da hipótese de que a suposta invasão e ocupação nicaragüense de território costa-riquenho (ou costarriquenho alguém domina o novo acordo ortográfico?) tenham sido motivadas por erros no sistema de mapas do gigante da informática Google.

A questão teve inicio com a dragagem do rio nicaragüense San Juan que resultou em um pequeno incidente diplomático já que o material dragado havia sido depositado em território costa-riquenho. A Nicarágua declarou que tudo foi um erro e fez os pedidos de desculpas naturais. Contudo autoridades da Costa Rica denunciaram a presença de militares da Nicarágua em seu território.

A Costa Rica que não possui exército, mas conta com forças de segurança civis que foram mobilizadas levou a questão para a resolução do arranjo de segurança coletiva continental, a OEA. Apesar de o assunto ser tratado como conflito de fronteiras e questão limítrofe o território em questão não se encontra sob disputa, isto é, os dois estados concordam que esse território é pertencente a Costa Rica desde o Tratado de Cañas-Jerez. Talvez por isso tenha surgido a idéia de que a ocupação foi com vistas a combater firmemente o narcotráfico (ainda que não tenha sido levantada publicamente, por enquanto).

O Secretário-Geral da OEA Jose Miguel Insulza recomendou as partes em disputa moderação e que mantivessem dialogo binacional para que uma solução seja alcançada e depois do fracasso das negociações deu um ‘ultimato’ para que alcancem um acordo em 48h. E “assegurou que haveria um avanço se Costa Rica e Nicarágua adotassem suas recomendações”.

Contudo, a presidente da Costa Rica Laura Chinchilla Miranda declarou que pode recorrer a Corte Internacional de Justiça, em Haia, se a OEA não encontrar uma solução satisfatória para o caso e disse ainda que o diálogo binacional não pode ocorrer legitimamente enquanto parte de seu território estiver sobre ocupação estrangeira. Os dois países possuem um forte fluxo comercial e há uma importante migração nicaragüense em território costa-riquenho o que gera fortes incentivos para um acordo negociado e paradoxalmente também pode gerar um clamor popular para soluções mais abruptas. Como fator de complicação existe entre os analistas a visão de que Daniel Ortega possa estar a usar a crise para fins políticos internos. Iniciar uma crise com um país declaradamente pacifista é algo que dá peso a essa hipótese.

Mas, como está na introdução desse texto há uma componente de realismo fantástico que se materializa na versão de que um erro no Google maps tenha resultado na incursão em território costa-riquenho como pode ser visto na reportagem “Nicaragua usa ‘error’ en mapa de Google para justificar incursión” do jornal La Nación da Costa Rica.

Nesse momento é interessante observar o desenvolvimento dos fatos e a atuação dos presidentes Daniel Ortega (Nicarágua) e Laura Chinchilla (Costa Rica). Abaixo deixo dois vídeos publicados no canal oficial da presidência da Costa Rica. Os dois primeiros são uma entrevista da presidente a rede CNN en Español e o terceiro é o vídeo em que supostamente militares nicaragüenses ocupam território costa-riquenho. Esse terceiro vídeo foi feito pelo governo e isso explica o tom da linguagem e o ‘drama’ das narrações e a escolhas de imagens que mais parecem esse vídeos “edificantes” que povoam nossas caixas de entrada, contudo explica bem a região em disputa por isso o considero útil. 








Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Fim da História ou vinte anos de crise? Angústias analíticas em um mundo pandêmico

O exercício da pesquisa acadêmica me ensinou que fazer ciência é conversar com a literatura, e que dessa conversa pode resultar tanto o avanço incremental no entendimento de um aspecto negligenciado pela teoria quanto o abandono de uma trilha teórica quando a realidade não dá suporte empírico as conjecturas, ainda que tenham lógica interna consistente. Sobretudo, a pesquisa é ler, não há alternativas, seja para entender o conceito histórico, ou para determinar as variáveis do seu experimento, pesquisar é ler, é interagir com o que foi lido, é como eu já disse: conversar com a literatura. Hoje, proponho um diálogo, ou pelo menos um início de conversa, que para muitos pode ser inusitado. Edward Carr foi pesquisador e acadêmico no começo do século XX, seu livro Vinte Anos de Crise nos mostra uma leitura muito refinada da realidade internacional que culminou na Segunda Guerra Mundial, editado pela primeira vez, em 1939. É uma mostra que é possível sim fazer boas leituras da história e da...

Ler, Refletir e Pensar: The Arab Risings, Israel and Hamas

Tenho nas últimas semanas reproduzido aqui artigos do STRATFOR (sempre com autorização), em sua versão original em inglês, ainda que isso possa excluir alguns leitores, infelizmente, também é fato mais que esperado que qualquer um que se dedique com mais afinco aos temas internacionais, ou coisas internacionais, seja capaz de mínimo ler em Inglês. Mais uma vez o texto é uma análise estratégica e mais uma vez o foco são as questões do Oriente Médio. Muito interessante a observação das atuações da Turquia, Arábia Saudita, Europa e EUA. Mas, mostra bem também o tanto que o interesse de quem está com as botas no chão é o que verdadeiramente motiva as ações seja de Israel, seja do Hamas. The Arab Risings, Israel and Hamas By George Friedman There was one striking thing missing from the events in the Middle East in past months : Israel. While certainly mentioned and condemned, none of the demonstrations centered on the issue of Israel. Israel was a side issue for the demonstrators, with ...