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Estudo comparado habitual e perigoso

Um dos métodos mais utilizados nas ciências sociais é o método do estudo comparado em que se estudam construções sociais distintas em busca de similaridades e diferenças que permitam uma análise coesa e lógica. É um importante instrumento no Direito, na Ciência Política, História e nas Relações Internacionais. Claro que todo método cientifico tem requisitos de rigor na análise, principalmente quando se quer extrapolar dados empíricos, afinal é um método para analisar e não discriminar. Deve-se, portanto ter cuidado no uso desse método para fazer juízo de valor, isto é, apontar que linha de política é mais apropriada.

Por princípio eu sou um cientista da linha de Karl Popper o que significa que em termos de construção teórica eu vejo que a teoria não só tem que ter o respaldo na lógica e nos dados como deve sobreviver ao falseamento, ou seja, ao teste de suas hipóteses não pode sofrer nenhum falseamento, pois se assim for deve se corrigir adequar à teoria e se for o caso descartá-la. Pode-se sinteticamente dizer que nenhuma prova é suficiente para que uma teoria seja verdade absoluta e qualquer evidencia é suficiente para descartar essa hipótese.

Esse pequeno parênteses meta-teorico tem objetivo de demonstrar como a construção de uma análise cientifica deve ser rigorosa e os métodos usados devem ser bem empregados. Escrevo isso por que não é raro nos deparamos com trabalhos, papers e até TCC/monografias em que não há nenhuma correlação lógica entre o corpo teórico, metodologia de análise e as conclusões do trabalho.

Tenho plena consciência que por vezes não é possível ao pesquisador, analista se livrar de suas próprias concepções axiológicas em outras palavras mesmo buscando a objetividade por vezes é impossível evitar que valores pessoais interfiram na construção da análise. Principalmente no campo das escolhas subjetivas do autor, que todos nós fazemos na hora de reduzir o todo em partes que se possam trabalhar. O próprio corte temático que damos já evidencia muito de nosso eixo axiológico. Nesse sentido já nos adverte Maria Ciavatta Franco:

Callari Galli fala de duas vertentes principais desta contribuição: em primeiro lugar, a defesa da "validade de todas as formas culturais" e a atenção aos riscos para a espécie humana de sua destruição. De um ponto de vista humano e moral, compartilhamos com a autora sua preocupação: "Em uma sociedade como a atual, cheia de tensões crescentes, educar para o diálogo, para o confronto – e, portanto, para a escuta – torna-se sempre mais necessário, porque sem esta capacidade, sem esta vontade, condenaremos as futuras gerações ao conflito permanente, à luta e à violência, talvez, a se tornarem protagonistas da destruição de nosso planeta (Callari Galli 1996, p. 28).

Em segundo lugar, com seu método comparativo e suas técnicas de pesquisa, a antropologia exercitou a crítica, deslocou seus interesses das sociedades primitivas para as sociedades complexas e, ao aplicar a si mesma esta operação de descentramento, promoveu a reflexão sobre a própria sociedade, sobre seus comportamentos, seus usos, seus valores, suas normas, comparando-os com aqueles de outros povos (id.ibid., pp. 31-32). [FRANCO, Maria Ciavatta. Quando nós somos o outro: questões teórico-metodológicas sobre os estudos comparados. In. Educ. Soc.,  Campinas,  v. 21,  n. 72, Ago.  2000.  Disponível aqui.]

Há no campo teórico uma questão válida sobre o método comparativo, se discute se esse método é pertencente ao viés crítico e analítico. Isso por que esse método suscitaria mais perguntas que analisar propriamente dito. Claro que nas ciências sociais a comparação serve para superar a impossibilidade de analisar e repetir fenômenos sociais em laboratório. Sem penetrar num altamente especializado debate sobre o método comparativo clássico e evolucionismo (ou desenvolvimentismo) o fato é que análise continuou a ser comparada, isto é, em elementos de política internacional, como o poder, por exemplo, é impossível que seja mensurado tomado de forma absoluta. Só se pode determinar o poder quando se compara a capacidade de ação de um país com outro.

Contudo, quando se faz um estudo de política comparada é interessante que o autor defina com muito esmero a via que procurará na análise comparada principalmente por que se pode acabar com um estudo mais interpretativo que explicativo.  

Assim quando se compara políticas públicas se compara não só as políticas, mas para que se possa compreender a natureza das diferenças é preciso estudar os sistemas políticos que deram origem as políticas empregadas e o interesse do atores, para que se identifique o que algumas correntes chamam de causas profundas.

Claro há métodos comparativos apenas descritivos, ou seja, se mostra os vários tipos de legislação e políticas ao redor do mundo sem tecer muitos comentários sobre as razões das diferenças e similitudes. É um caminho válido, mas que não autoriza o autor a estabelecer correlações ou induções maiores.

Quando usamos este método de análise devemos ter em mente quais são os limites que este método impõe e trabalhar de modo a diminuir o impacto do eixo axiológico nessas análises. É preciso também não se deixar tolher pelo relativismo, ou seja, na busca de não agir preconceituosamente quanto a uma cultura diversa se acaba abrindo mão do exercício da crítica e além de descrever certas posições e suas respectivas justificações políticas acabamos por defendê-las. O que ironicamente é uma violação da neutralidade tal qual medir com os olhos de sua própria cultura.

Perdão se não ofereço nesse texto caminhos analíticos, apenas aponto as dificuldades, mas avisar das dificuldades do caminho já é uma ajuda, e se traço essas linhas é por que esse método corriqueiramente usado é muitas vezes tratado de modo displicente. Servindo apenas para proselitismo de algum ponto de vista político o que é válido, mas não é o que se espera de alguém que faz ciência. Portanto, esse texto pode ser entendido como um aviso para que se tenha atenção ao fazer e principalmente ler análises de política comparada, assim se mantém o espírito crítico diante de análises de relativismo vulgar, aquele que pretende que se coadune com tudo por que é uma construção cultural de outrem e interferir seria hipocrisia ou intervenção, uma forma particularmente primária de relativismo moral do qual também me oponho (mas, essa é uma enorme discussão que ficará para outro momento).

Mas, tudo isso só mostra como a análise e interpretação de um fenômeno social pode e deve ser complexa e profunda. E que o uso adequado dos métodos nos ajuda a conseguir conclusões bem justificadas, portanto, amparadas nos fatos e na lógica.  

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