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Crise no Equador – IV (Da bravata a violência)

O momento mais agudo da crise foi superado e o presidente do Equador Rafael Correa foi resgatado por policiais não amotinados e por homens do exército. Esse resgate foi o ápice de uma cadeia de eventos perigosos e atos políticos desastrosos. A tensão exacerbada cobrou seu preço em sangue e expôs a fragilidade institucional desse belo país andino.

Desde o inicio da greve dos policiais ontem por conta da “Ley de Servicio Civil y Carrera Administrativa” que muitos veicularam que se trataria de uma tentativa de golpe. O que provocou uma precipitada corrente de manifestações dos organismos regionais, com reuniões de emergência e notas de apoio com efetividade controversa para se dizer o mínimo.

Não nego que há algo de verossímil na tese de golpe já que a história recente do Equador tem exemplos de movimentos grevistas que acabaram por derrubar governos, por sinal o Dr. Maurício Santoro fez em seu excelente blog um levantamento histórico muito bem executado, que deve ser lido.

Contudo, mesmo com esse histórico o assunto foi tratado de forma precipitada e internacionalizado de forma atabalhoada e acrítica pelos governos da região que de um lado acertaram ao pedir paz e reforçar o apoio a democracia e a presidente legitimo por outro alimentaram a tese de golpe quando não havia elementos para se fazer uma afirmação tão taxativa.

Em 2008, quando policiais civis em greve enfrentaram policiais militares na cidade de São Paulo me perguntei o que aconteceria se o então governador do Estado José Serra tivesse ido até lá com a pretensão de demonstrar pulso firme e virilidade política? Pois bem, agora tenho uma resposta do que poderia ter acontecido.

Rafael Correa quando decidiu demonstrar seu poder e pessoalmente ir até o quartel onde estavam os policiais em greve agiu de maneira impensada sua demonstração de poder foi vista como provocação suas declarações de política viril elevaram a tensão e escalaram os protestos que culminaram em lamentável violência.

A ordem pública e a preservação da paz social deveriam ter sido guias na ação do governo ao invés de querer dar sinais ostensivos de autoridade, isto não quer dizer que a ação dos policiais rebelados e militares amotinados não foi lamentável e inadmissível, mas a reação violenta era previsível e Correa se expôs e também expôs a ordem institucional ao querer tratar a questão dessa maneira.

Ora era previsível que um grupo exaltado protestando contra perdas salariais se tornasse violento com a adição da mentalidade de turba e foi isso que aconteceu ontem e acabou diminuindo sobremaneira o espaço para uma solução negociada com eventuais punições aos rebelados ou até uma anistia a depender de como se dessem os desenvolvimentos.

A radicalização, no entanto, trouxe graves prejuízos a sociedade equatoriana que se viu desamparada diante da greve daqueles que são seus guardiões e ainda esperou em suspenso a resolução do drama no hospital onde o mandatário estava cercado. Algo impensável e uma demonstração clara da fragilidade institucional e democrática da nação andina.

Ainda resta muito a ser analisado sobre esse episódio e os desdobramentos serão sem dúvidas importantes. Resta saber, por exemplo, como Correa usará esse episódio no cenário político-eleitoral. Outra importante dúvida que fica e que precisa de uma resposta transparente e, por conseguinte não viesada sobre se houve ou não participação do ex-presidente e coronal do exercito Lúcio Gutierrez, que nega isso e acusa Correa de ser irresponsável.  


Outro ponto que precisa ser mais bem entendido foi o fato do governo ter usado o regime de exceção para limitar a ação da imprensa como demonstra reportagem do diário La Hora (que ontem teve sua página bloqueada por algum tempo), além das tentativas e agressões dos rebelados.

Como sempre faço a sugestão que meus leitores cheguem a suas conclusões usando sua racionalidade e sendo céticos a versões oficiais e respostas fáceis. Toda essa revolta no Equador expôs não só a fragilidade das instituições dessa nação, mas a precipitação política dos organismos regionais. Sou obrigado a concordar com a ácida análise de Paulo Roberto de Almeida. “[...] mais do que atrasados, certos países da região sofrem de deficiências graves em sua classe política, personagens indignos de representar a nação da qual são representantes presumidos.”


P.S: O Caos-RI pública uma excelente reflexão sobre o assunto. Leiam o blog do Dr. Mauricio citado acima para a contextualização histórica que no afã de analisar os fatos acabei não tecendo. E vale passar na Página Internacional para conferir as impressões (já citadas em textos anteriores dessa série) do internacionalista Luís Felipe Kitamura que está em Quito. 

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