Navegava hoje pelo site Política Externa do colega internacionalista brasiliense Daniel Cardoso e me deparei com uma matéria do Jornal Valor Econômico lá reproduzida num texto intitulado: “Amazônia Verde e Azul – Forças Armadas e Civilização Brasileira, por Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa”. O autor do texto é ex-presidente do BNDES (2003-2004) e já foi nos anos de 1960 professor no Instituto Rio Branco – IRBr.
Não sou homem de concordar com alguém ou discordar por conta de seu currículo. E nesse caso são os argumentos usados por Carlos Lessa para defender um suposto patriotismo (embora o termo não surja no texto) é que me chamam a atenção. A começar pelo primeiro argumento típico desses tempos eleitorais que tenta traçar um estado de o país foi inventado em 2003. Lógico faz isso com a “elegância” do uso de palavras códigos ao associar a pressão internacional sobre a Amazônia, com a ideologia neoliberal. Caberia aqui entender como os ecologistas se coadunam com o que a esquerda entende como ideologia neoliberal. Em linhas gerais a idéia econômica que permeia o texto é a noção de que há uma oposição entre norte e sul e que há uma conspiração para manter o sul em estado de dependência.
Recomendo que se faça a leitura do citado texto, contudo diferente do que pode parecer não dedicarei esse texto a rebater argumento por argumento do autor, na verdade pretendo mais uma vez tratar do nacionalismo que parece estar em voga, talvez impulsionado por uma sensação geral de bem-estar econômico e pelo ufanismo de Brasil grande que a publicidade oficial (e para-oficial) alimenta.
Mais uma vez fica clara a tática de se utilizar do estranho sentimento que a população brasileira que é a questão amazônica e a suposta ganância e ingerência externa sobre essa região para vender a tese do nacionalismo econômico e de algum modo justificar a crescente presença do estado na economia. Afinal um economista que ataca o “exporta ou morrer” (a frase marca o esforço concentrado de incentivo a exportação iniciado pelo governo FHC, que permitiu que o país acumulasse as reservas cambiais que são tão orgulhosamente mencionadas), por ter servido apenas para aumentar a participação da agricultura o que seria reflexo e prova dos malefícios intrínsecos da globalização.
Esse argumento é claro de uma só vez taxa de atrasado o setor agro-exportador e abre caminho para a defesa do protecionismo como maneira para precaver perda de indústrias de alto valor agregado.
A parte estratégica do texto defende de maneira genérica a expansão das capacidades da Marinha do Brasil, incluindo a decisão de gastar bilhões de reais na construção de um submarino nuclear, que protegeria a Amazônia azul da cobiça sobre os recursos do Pré-Sal. Que na visão desse economista seria o ponto de virada da história nacional.
Bom, todos esses argumentos colocados não são novos no debate sobre os caminhos nacionais. Um debate vital para quem quer estudar a inserção internacional do Brasil e a sua política externa, afinal é deste debate que surge a percepção de interesse nacional.
É interessante, contudo, observar que ganham corpo essas teses não só no estrito campo militar, mas como também no campo econômico, como já escrevi recentemente. Essa linha de argumento se levada ao extremo, como muitos já fazem, torna qualquer discordância da versão oficial como uma forma de sabotagem ao interesse nacional o supracitado texto tem um trecho muito interessante que ilustra esse ponto:
“O Brasil, retornando ao padrão da República Velha e sendo exportador de alimentos e matérias-primas, fornece munição aos ideólogos, ecologistas e quintas colunas ecológicas para propor – em nome da defesa da humanidade – a preservação do ecúmeno amazônico. Essas forças conseguem paralisar projetos hidrelétricos e logísticos de imensa importância para o país.”
Percebe-se, então, que o autor classifica aqueles que “conseguem paralisar projetos hidrelétricos e logísticos de imensa importância para o país” como “quintas colunas ecológicas”. Quinta Coluna como se sabe é a designação dada a grupos de traidores ou agente infiltrados que trabalham por trás das linhas facilitando a invasão estrangeira ou inimiga. Assim, percebe-se que ir contra os projetos tidos como estratégicos pelo governo seria traição.
Não vou aqui defender especificamente as ONGS ambientalistas, mesmo por que ainda há muito joio a ser separado de trigo nessa seara, mas sim defender o direito a oposição ainda mais quando se trata de um caso como o da Usina de Belo Monte no qual temos um cenário bastante propicio a corrupção e malversação do dinheiro público (o que é de fato ato de traição, se não juridicamente, nada há de mais traidor do que quem rouba de seu país). E não se pode tentar em nome da “soberania” tentar suprimir o direito de controle sobre essas obras e mesmo o direito das populações atingidas pela construção de protestar e buscar apoio a sua causa, seja em forma de apoio político interno no Congresso Nacional, quanto de artistas famosos alheios as realidades políticas locais.
Essa é por sinal a essência do por que tenho resistências ao nacionalismo superficial que prolifera. Pois os grupos políticos que o alimentam não tardam em usar desse natural sentimento de apreço as coisas de sua própria pátria para empurrar negócios espúrios ou no mínimo sem controle social. Outro motivo é que nesse pensamento se ínsita o temor e desconfiança quanto ao estrangeiro e se nutre a necessidade de proteção desse estrangeiro (como as leis de limitação de posse de terra, ou o protecionismo) que no final pune os brasileiros, principalmente os mais pobres.
Sim o Brasil necessita vigiar as suas fronteiras e estar capacitado a se proteger, contudo esse debate deve ser o mais racional possível por isso mesmo deploro preconceitos nessa discussão. O Brasil precisa sim de uma Marinha forte (e sob supervisão e comando civil), mas a meu ver muito mais pelo risco de terrorismo e/ou ecoterrorismo nas plataformas de petróleo e de violação de nossos direito econômicos do que por ameaças de outras nações. O debate está ai e cada um de vocês deve formar sua própria opinião. Se me permitirem um petulante conselho a temperança e a racionalidade são guias mais confiáveis que o ‘fígado’ (para bom entendedor...).
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