Uma questão acima de todas ameaça a estabilidade da América Latina, o crime organizado tem se mostrado capaz de gerar convulsão social e desafiar o monopólio do uso da força dos Estados da região. Esse problema é amplificado pela falta de capacidade de combate ao crime, em especial o tráfico de drogas, que desafia as políticas públicas tanto as mais liberais de controle de estrago, como as mais abrasivas de enfrentamento.
O crime organizado viceja na corrupção e inação que tragicamente são marcas dos sistemas políticos latinos, o exemplo mais bem acabado dessa ligação entre tráfico de drogas e corrupção política é o caso do ex-ditador panamenho Manuel Antonio Noriega, que nos anos 1980 (de 1983 a 1989), que converteu seu governo em uma grande “lavanderia” dos cartéis do tráfico. O fez talvez por confiar que seu papel no combate ao comunismo na região ao lado da CIA faria com que os EUA de certo modo garantissem a estabilidade do seu governo, contudo detalhes sobre a derrocada desse ditador não cabem agora.
Muitos vêem a questão do narcotráfico como uma questão de segurança pública ou de saúde pública (visão que tem avançado), contudo está mais que claro que o tráfico é um grave problema de segurança nacional, ainda mais nos países que por motivos de extensão ou de formação do terreno têm suas fronteiras altamente porosas, caso do Brasil, EUA, Colômbia, Venezuela, México.
Exemplos desse desafio são infelizmente muito comuns e são encontrados em ações criminosas cada vez mais violentas e ostensivas, como o claro desafio feito por traficantes Jamaicanos resistindo a ordem de prisão do líder de sua facção criminosa, atentados violentos contra juízes e cortes na Colômbia, a crescente violência na Venezuela, as lutas entre as “maras” na América Central, as ações do PCC em São Paulo que tem paralelo em todas as regiões do Brasil.
Existe até a ameaça de que o tráfico de drogas consiga levar estados mais débeis a falência. Nesse sentido há uma constante preocupação dos EUA que seu vizinho ao sul possa ruir diante da corrupção e da penetração do tráfico nas fileiras do Estado, algo que não parece tão impossível a luz do fato de que o governo Calderón precisou empregar forças armadas e a polícia federal mexicana, para desarmar e desmobilizar forças policiais locais em algumas partes do país que desviavam suas armas para os cartéis e na prática serviam como “capangas” desses grupos de criminosos. Outro aspecto é que grupos de militares de fato se tornaram parte das forças dos cartéis como é o caso do grupo conhecido como “los zetas” (que já abordei aqui outras vezes).
Essa quadrilha dos los zetas é formada como disse acima por ex-militares, membros de forças especiais, que receberam treinamento em táticas de combate que são úteis para que esses organizem suas missões de proteção as rotas de tráfico de drogas e de imigrantes ilegais. Autoridades mexicanas atribuem a essa quadrilha a autoria do massacre de 72 migrantes, entre os quais estavam 4 brasileiros, desse grupo apenas um equatoriano sobreviveu. Em mais uma demonstração de que é preciso enfrentar de maneira agressiva e abrangente o problema do consumo de drogas (que financia), do tráfico de drogas e claro e urgentemente o tráfico de armas. É preciso restringir o acesso desses bandidos e quadrilheiros as armas pesadas que agora ostentam, contudo isso deve ser feito de maneira a não restringir em demasia a capacidade do cidadão comum, em condições legais de adquirir armas para sua proteção ou para caça.
Como eu escrevi sobre esse assunto em 18 de março de 2010, no texto intitulado “México, EUA e Drogas”:
“A questão mexicana ilustra bem o grau de coordenação internacional que se torna necessário para combater organizações criminosas que estão cada vez mais transnacionais e imersas em suas próprias disputas “geocriminosas” (uma versão corrompida da geopolítica), isto é, suas disputas por territórios que não coincidem com as fronteiras políticas, aliás, não só disputas como cooperação também, já que essas quadrilhas se ramificam e interagem entre si.
A questão toda vai além só do combate a criminalidade que por corrupção ou inépcia cresceu a ponto de se tornar uma ameaça a estabilidade de toda América Latina, basta ver o caso colombiano ou como esses bandos afetam a vida e a política das nações da América Central. A questão da criminalidade não só ameaça estados mais débeis como causa muitos problemas a países mais bem institucionalizados.
Cabe acompanhar de perto o caso mexicano (para um acompanhamento jornalístico recomendo o bom trabalho de cobertura que têm feito os britânicos da BBC) que potencialmente pode elucidar muitas duvidas etéreas dos teóricos e analistas de relações internacionais, política e criminalidade ao nos dar dados sobre o emprego das forças armadas no combate ao crime e como aliar o combate a direitos humanos e democracia. Espero que as lições da guerra mexicana as drogas ajudem a construir uma maneira efetiva de enfrentar a ameaça que é o narcotráfico.”
A isso se soma o que escrevi em 29 de junho de 2010 no texto “Guerra ao narcotráfico no México mais um capítulo”:
“Essa dura realidade precisa de coordenação, mas iniciativas nesse campo sempre são controversas basta ver as reações extremadas a planos como Plan Mérida e o Plano Colômbia. Embora, muitos dos que acusam esses planos nunca ou quase nunca apresentem planos alternativos. Uma coisa, contudo, reside clara para mim, é preciso um plano de enfrentamento, de redução de danos e de prevenção ao uso. Nisso está incluso, é óbvio, planos para oferecer alternativas para os que plantam drogas e aos “soldados” dessas organizações, em outras palavras é preciso coordenação internacional e planos abrangentes em suas estratégias, com táticas locais e isso é factível, embora, não seja algo em curto prazo.
No caso do México não faltam críticas a política de enfrentamento de Calderón e principalmente denúncias de violações de direitos humanos por parte das forças de segurança do Estado, principalmente pelo uso extensivo das Forças Armadas no combate o que é rebatido pelos partidários do governo com a tese que o recrudescimento do combate deriva do aperto que os cartéis estão sujeitos devido ao plano. Aqui mesmo nesse blog essas questões são abordadas vale uma pequena pesquisa nos textos já escritos. Não posso por princípios pessoais transigir na aplicação dos direitos humanos e das liberdade e garantias democráticas, mas o abuso não tolhe o uso, isto é, não são os caso de excessos que inviabilizam a ações do governo. Pelo menos desde que esses abusos sejam condenados, investigados e não seja parte de uma política deliberada declarada ou velada do Estado.”
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