Como de hábito nessa sábado trago um texto que considero relevante, nessa semana como tem se tornado hábito o texto não é um texto ligado as relações internacionais ou ciências sociais e sim uma poesia. Cultura é importante e mesmo alguém tão ligado a realidade política do mundo precisa de um escape e nada melhor que boa literatura para isso.
O trecho selecionado é de um dos meus favoritos o poeta mineiro da agradável cidade de Itabira, Carlos Drummond de Andrade um poeta que a meu ver escreveu com um lirismo nada óbvio, que se arriscou no uso não tradicional de algumas palavras e que demonstra em cada linha respeito por seu próprio trabalho com um senso invejável para trabalhar suas poesias. Ele dizia que por vezes chegava a escrever um poema e depois o guardava por meses antes de revisar e por vezes se espantava com o que ele julgava ser falta de qualidade nos escritos. Ou seja, era um escritor criterioso, autocrítico e corajoso. Contudo já estou a me estender além do necessário. A poesia que transcrevo está disponível em um excelente site dedicado a ele. No site há uma promoção para comemorar os 80 anos de lançamento do primeiro livro dele “Alguma poesia” que contém o clássico “No meio do caminho”.
SENTIMENTO DO MUNDO – 1935
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
Eu ficarei sozinho
Desfiando a recordação
do sincero, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
Eu ficarei sozinho
Desfiando a recordação
do sincero, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite
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