É preciso que fique claro que eu nada tenho contra as coisas do Brasil, por sinal pessoalmente sou muito afeito a cozinha e as aspectos da cultura nacional, além disso intelectualmente tenho a causa do desenvolvimento do Brasil (econômico, social, cultural) é uma causa que tenho enorme afeição e preocupação. Como profissional, consultor jamais tomaria parte em qualquer projeto que violasse minha consciência, por isso não participaria de qualquer ação danosa para o Brasil, ainda que legal. Acredito em certas virtudes patrióticas, que já escrevi aqui muitas vezes, como ajudar os brasileiros necessitados além de pagar meus impostos, votar e todas essas aventuras cívicas.
Ter apreço as coisas do Brasil e a esse povo que o acaso quis que fosse o meu, contudo, não me impede de ver as manipulações ideológicas que nos tentam empurrar decisões como se fossem corretas e patrióticas. Em matéria de política e legislação o nacionalismo e o ufanismo são péssimos conselheiros. São inúmeros os exemplos históricos do fervor patriótico como vetor para tragédias e barbáries. Sem contar que esse zelo patriótico abre a porta para o preconceito em sua versão xenófoba e em sua versão racista.
E mais não são poucos os que para facilitar a implementação de sua agenda política tratam de dividir a sociedade, de criar categorias entre os brasileiros é tática antiga usada por várias vertentes políticas e bastante demonstrada e denunciada. Uma que está sempre a ressuscitar no dialogo político brasileiro é a tática de tratar adversários como entreguistas, como aliados de interesses de potências estrangeiras. Veja que isso é tanto usado por militares ao denunciar a influência de ideologias externas ao caráter nacional (no caso o comunismo) como entre esquerdistas que acusam indivíduos de serem vendidos a serviço do império.
Isso anima e serve de justificação de políticas econômicas e legislações que visam servir a interesses de setores da opinião pública, no entanto essas políticas são comunicadas como se fossem de interesse nacional, ou como se fossem um anseio de toda população. Muitas vezes a própria campanha para adoção de tais medidas acaba por convencer os indivíduos da justiça e correção de tais medidas, o que seria legitimo e democrático se não fosse feito a base de falseamento de argumentos e manipulação de medos infundados.
Abundam exemplos desse comportamento que de certo modo animou uma série de políticas nacionalistas tomadas durante o regime militar que agora por uma dessas coisas da política são adotadas com entusiasmo pelo atual governo. Um exemplo é o avanço do nacionalismo econômico, baseado no estatismo (isto é, na centralização da atividade econômica nas mãos do estado) esse estado indutor certamente é defendido ideologicamente, como também serve bem aos interesses de setores pragmáticos (na verdade cínicos). Tratei disso algumas vezes, eu sei.
Esse clima de desconfiança ante a iniciativa privada e o estrangeiro está permeando o que costuma se chamar de Zeitgeist em outras palavras esse nacionalismo ufanista, do Brasil grande, bem típico do período do “milagre econômico” está cada vez mais presente e é simbólico e esclarecedor a adoção da medida que limita a compra de terras por estrangeiros, que adota os padrões de um Decreto-Lei do regime militar. Que além de ser uma medida que discrimina empresas nacionais (sujeitas a lei brasileira e com capital fisicamente presente aqui) por terem controladores estrangeiros.
A justificativa é sempre a mesma de defesa da soberania. Não vou dizer que regulação da atividade econômica não seja algo que deva ocorrer e é importante e prudente conhecer quem estar comprando vastas porções de terra, mas há mecanismos mais inteligentes de controle que incluem a correlação de vários bancos de dados (do INCRA, dos cartórios de registro de imóveis, imposto de renda, juntas comerciais, CVM) dentro dos limites da lei, afinal o Brasil ainda não é um estado policial (embora vazamentos constantes de dados sigilosos nos indiquem a “boa” governança do Estado e a facilidade do uso desses dados politicamente). O já famoso e um tanto ridículo medo amazônico brasileiro motiva muito disso. (Irritei muitos agora imagino).
E assim vai avançando a idéia de tudo que é externo é perigoso e aqui vem para dilapidar precisos recursos naturais. E enquanto líderes empresariais clamam por proteção para poder competir se esquece de resolver os problemas reais de nossa economia, para citar um urgente cito a questão da carga tributária. No perfil externo essa visão de mundo se revela no superdimensionamento de nossa capacidade política de influir. A meu ver a vacina para o nacionalismo está na racionalidade e no ceticismo, ainda que graduadas autoridades da república cismem em qualificar os que discordam como “do contra” ou “aqueles que pensam pequeno”, “vira-latas” e por ai vai.
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