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Relações internacionais como auto-ajuda? Uma reflexão ranzinza

Em meu outro blog – Fantástico Cotidiano – uso como epigrafe um trecho de um poema de Manuel Bandeira que gosto muito no qual se lê, em uma das estrofes: “Não quero saber de lirismo que não é libertação”. Essa frase retirada do poema “poética” me diz muito no sentido que sou uma pessoa afeita a beleza do mundo, gosto das letras, mas tenho uma irritação profunda com o lirismo sem lugar, com o drama, com a hipérbole afetiva e essa particularidade devo confessar se espalha por meu pensamento, inclusive meu modo de pensar relações internacionais.

Isso implica em uma visão de mundo muito pouco afeita aos arrebatamentos que levam muitos a conclamar outros para juntos mudarem o mundo. Não me levem a mal não sou um egoísta extremado, acredito em voluntarismo, acredito em doar meu tempo, conhecimento em prol do próximo. Mas o faço sem pieguismos de querer me arrogar uma grande causa. Desse modo não tenho paciência para aqueles que fazem das relações internacionais uma variante da auto-ajuda. Detesto, em especial, os que fazem isso com grandiloqüência e entendam não estou falando de políticos, mas de analistas e pesquisadores e professores, que abandonam a linguagem objetiva em troca de sentimentalismos adjetivados que são vazios de significado quando se analisa pormenorizadamente os escritos que emanam desses autores.

Em geral a linguagem clama para mudar o mundo, escrevem obviedades em tom de denuncia, obviedades como “os estados atuam interesseiramente”. A imagem que me vem na cabeça é a de um comercial de dentifrício que as crianças se uniam para salvar o mundo das cáries. Reitero nada tenho contra que as pessoas tenham uma causa, mas quando usam de seus títulos e disfarçam o proselitismo baixo como ciência, me irrito muito.

Há uma tendência em alguns que escrevem pela internet afora em usar dessa linguagem sentimental para analisar as coisas do mundo, antropomorfizando estados, criando nesse processo argumentos xenófobos e frases de efeito. Eu sei que já escrevi vários textos com uma carga emocional alta, mas não foram textos com uma emoção engendrada como mecanismo de argumentação, foram momentos autênticos e não tinham o sotaque de auto-ajuda, que pretende ditar a outros como devem se comportar diante do mundo. Esse texto mesmo é um exemplo é um texto com uma forte carga emotiva, mas que não visa nada além de expor algo que me irrita, não passa de um escrito que dá testemunho ao mau-humor que relações internacionais como auto-ajuda me provocam.

Você meu leitor já se deparou com esses textos, tenho certeza, são textos que contém afirmações do tipo “a miséria humana e da natureza é provocada pelo desejo de dominação dos poderosos e dos vendidos em nosso continente, ou na África”. Sem, contudo, apresentar nenhum argumento que sustente, ou números. Tratam como se fosse uma tautologia cientifica, quando é apena a reprodução “sentimentalóide” de frases de efeito que tem uma carga clara de ideologia política.

Ora não seria mais honesto simplesmente escrever um panfleto ideológico e partidário sem se esconder e disfarçar esses escritos como ciência ou como palavra de um mestre em relações internacionais ou doutor. Por que o mínimo que se espera de alguém com formação superior é capacidade argumentativa, assim se espera que fossem capazes de defender seus pontos de vista sem se valer de recursos tão fracos e de certa maneira desonestos.

Não sou autoridade instituída para regular como os analistas de relações internacionais devem se portar, aliás, detestaria que existisse tal função de patrulhamento das idéias. Apenas pretendo com essas linhas deixar claro algo que me irrita profundamente por que reduz a análise de um fenômeno complexo a um sistema de virtuosos e defeituosos por natureza. Além do mais esse argumento pode ser perigoso e derivar dele linhas de interpretação que tachem certos povos como vítimas eternas e outros como criminosos eternos, assim negando a essência do próprio argumento “auto-ajuda” que é mutabilidade do homem.

Além do mais desconfio muito daquele que não sendo autoridade religiosa se arroga ter as respostas para tudo e, portanto seu próprio modo de ver o mundo é redentor e de tal maneira correto que a adoção em massa de modo seria o caminho para salvar o mundo.

Mas, deixo uma advertência a meus leitores que serve para relações internacionais e para a vida que é sejam críticos e criteriosos e cheguem a suas próprias conclusões. Procurem sempre entender os argumentos e a lógica entre eles. Se depois disso concordarem ou não o terão feito com o cérebro e não com o coração (para usar essa imagem recorrente para emoções). Eu sempre desconfio de quem tenta desviar minha atenção ao propor um caminho analítico que me faça reagir com os instintos (até aceito que políticos assim o façam embora não seja algo que concorde, mas em analistas é o “fim da picada”). E vocês?

Comentários

Unknown disse…
Eu sou fã do lirismo como um todo, mas confesso também me pegar detestando o piegas - que por diversas vezes sou. Adoro Poética!
Parabéns pelo blog e pela escrita inteligente!
;D

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