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Domingo é dia de atender aos leitores

A vaidade me impulsiona a começar esse texto constatando que esse é o meu texto de número 502, uma boa marca se considerarmos que por vários períodos estive sem acesso competente a internet. É um bom número, também, por que desde textos são de minha própria lavra no mínimo 400 deles.

Deixando a vaidade e os números de lado. Essa semana recebi alguns e-mails e selecionei três que se coadunam com as regras que coloquei para responder aos e-mail, aproveito para relembrar que essas regras não são fruto de algum surto autoritário, mas visam apenas maximizar o tempo que dedico a esse oficio de responder a questionamentos que recebo. Nem sempre a resposta que eu ofereço é a que o leitor quer e sim a que julgo necessária e feita de boa-fé, com base nas minhas experiências.

O primeiro dos três e-mails é o mais difícil de responder, por que se o responder como tenho vontade acabarei por fazer todo o trabalho que cabe ao leitor e lhe robarei a oportunidade de aprender, alias ele como será visto nem sequer cogita que eu faça a pesquisa por ele, a questão é que tenho uma predileção pelo estudo da negociação comercial, principalmente a multilateral. Vamos ao texto do e-mail como me chegou:
Tenho 17 anos e vou participar de um intercolegial de Relações Internacionais. Tive conhecimento do blog e gostaria de uma ajuda.
O Evento é uma simulação da comitês e orgãos, o que eu participarei é a OMC.
O Assunto é sobre Subsídios Agrícolas. Gostaria de uma ajuda, pois eu representarei o Reino Unido, e tenho então, que defender os interesses desse Estado.
Não tenho ainda uma ideia conclusiva sobre a política externa do Reino Unido em relação a esse tema, porém, sei que a UE é um dos blocos que mais subsidiam.
Enviei um e-mail a esse leitor com alguns detalhes, aqui colocarei a resposta mais geral possível. Nesse caso a política externa do Reino Unido está vinculada a Política Agrícola Comum da União Européia, ou seja, nessa matéria em negociações multilaterais o Reino Unido negocia em bloco. Portanto, é necessário conhecer as posições da União Européia e do Reino Unido em relação aos temas exatos em negociação, pois essas negociações são compartimentadas entre comitês. Claro há convergências estratégicas gerais, mas cada tema tem variações táticas.

Então como plenipotenciário simulado do Reino Unido você tem que realmente conhecer a política de seu país, as diretrizes da UE e os objetivos que se coadunam com essas políticas, esse cenário ótimo (isto é, conseguir moldar o regime internacional da maneira que seu país quer) não será possível, então como meio de negociar, tenha cenários diferentes preparados e antecipe as principais resistências, lógico tenha decorado as regras da simulação os moldes que ela deve ser conduzida. Não se preocupe tanto em vencer, mas em aprender a negociar de maneira racional. Há quem se preocupe demais em fazer uma caricatura do estereótipo do que consideram ser o habitante de país X, ou país Y. É importante dominar os conteúdos e ter uma boa postura negociadora.

Sobre OMC e as posições especificas recomendo a leitura aqui no blog, e claro nos sites oficiais da OMC, do Foreign Office (MRE do Reino Unido). Não sei realmente se lhe ajudarei com essa explanação, mas tentei traçar um caminho de estudos.

O segundo e-mail é uma variação interessantíssima do repetitivo tema aqui que é a questão do curso, de qual curso é mais adequado. Transcrevo o e-mail (como me chegou) e volto em seguida.
Gostaria, e se fosse possível que você pudesse tirar uma dúvida que tenho, moro no Espírito Santo, e pretendo participar do ramo de comércio exterior, aí me cai uma dúvida , RI ou Comércio Exterior?
Atualmente estou fazendo uma curso de Formação para Despachante Aduaneiro (pretendo entrar com a papelada para poder tirar minha habilitação).
O que acontece é que, aqui no Espírito Santo não há uma Graduação, digamos que "normal" de Comércio Exterior, existe sim uma Graduação Tecnológica, gostaria de saber se é seguro este para poder entrar bem no mercado, ou, se faço RI e depois algumas especializações da área.
Se puder me responder e me ajudar a dar uma "luz" agradeceria muito
Ao analisar de maneira objetiva com base na formação técnica (tão necessária para o Brasil, diga-se de passagem) eu recomendaria a opção pelo tecnólogo em Comércio Exterior, que é uma graduação plenamente de nível superior tal qual o bacharelado ou a licenciatura, embora o tecnólogo via de regra seja um curso mais curto, menos teórico e mais prático. Agora caso opte por relações internacionais e há excelentes cursos no seu estado (que me fornecem leitoras inteligentíssimas, por sinal) que serão úteis para você, mas de uma maneira mais indireta, a formação será mais ampla. Não chegarei ao ponto de dizer qual é mais segura no mercado, por que não tenho elementos objetivos que me subsidiem a responder de maneira mais eficaz, contudo cabe dizer que a empregabilidade em relações internacionais é complexa e difícil e a maior parte se dá no comércio exterior, onde os cursos que você tem lhe dão um diferencial interessante.

Novamente devo ter levantado mais dúvidas que seguranças, mas é muito difícil bater o martelo na vida de alguém. É uma responsabilidade muito grande.


O terceiro e-mail versa sobre a “nossa velha amiga” empregabilidade, mais especificamente sobre emprego na Organização das Nações Unidas. Transcrevo o e-mail com algumas partes cortadas para preservar a identidade da leitora.
Descobri seu blog através de uma amiga no Facebook e pelo conteúdo que já li, achei extremamente interessante e válido para nós, interessados na área de Relações Internacionais.
Participando das mesmas, interessei-me pelo trabalho exercido dentro da ONU pelos profissionais de R.I. e tenho esse sonho, o de trabalhar na ONU.
O que você diria, baseando-se na sua experiência como internacionalista, a uma estudante de R.I. que pretende seguir esse caminho? Como funciona o "recrutamento" de profissionais para trabalhar na organização? Você acredita que Belo Horizonte seja uma cidade "estratégica" para estudantes de R.I.?  A propósito, tenho inglês fluente e francês intermediário.
Primeiro obrigado pelos elogios que tece a esse blog, em geral os corto da transcrição, mas a vaidade hoje me abate. E quanto a suas perguntas primeiro devo dizer que a universidade que você escolheu e foi aprovada no processo seletivo é uma das melhores do país e que tenho amigos e conhecidos que nela se formaram que são muito preparados e inteligentes.

Feito esse primeiro parênteses o recrutamento da ONU varia de acordo com o que se busca nessa organização, os estágios, por exemplo, são oferecidos via CIEE (pelo menos no meu tempo) e seu currículo é selecionado com base nos parâmetros que estão estabelecidos na convocatória. Em termos de vagas para relações internacionais na ONU (vagas não temporárias e nem em projetos específicos como consultorias) são raras e tem um processo de seleção global com cotas por regiões, às informações pormenorizadas podem ser encontradas no site da ONU. Devo dizer que a ONU costuma exigir experiência ou alto nível de escolaridade, embora eu tenha amigos que cuidam de projetos da ONU fora do Brasil, na África, por sinal.

Belo Horizonte é uma capital importante e oferece algumas oportunidades, mas as vagas que você ambiciona são concentradas em Brasília e São Paulo, mas a maioria em Brasília (as de estágio que lhe dariam um conhecimento sobre a ONU, que poderiam te estimular ou não a continuar nesse rumo).

O que eu digo a um(a) estudante que quer trabalhar na ONU? Estude muito, fique atento a oportunidades de estágio, tenha em vista continuar os estudos em áreas de pós-graduação que são demandadas pela organização e busque por experiências diversas, talvez até uma temporada de trabalho voluntário. Em resumo estude muito e enriqueça seu currículo. E tenha consciência que será difícil, alias nada na vida que valha a pena é fácil.

Obrigado de coração a todos que confiam em mim a ponto de pedir “uma luz”, um conselho até uma palavra amiga (que não é caso desses leitores, mas já foi de outros) tentei ser mais curto em minhas respostas, já que tenho a irritante (para alguns) mania de ser prolixo. Espero ter ajudado ao menos um pouco. 

Comentários

Carol disse…
O curso de RI, apesar de lindo, tem esse mercado ingrato. Quem nao gosta da área de COMEX acaba nao tenho mtas opçoes, pelo mercado girar em torno de Brasília. Eu, por exemplo, estou quase me formando e nao sei o que fazer, pois nunca fui muito apaixonada por comex, mas estou na área, por falta de opçao e de dinheiro pra investir numa formaçao exigida pra uma carreira na área de política internacional.
Abraços, Mário!
Mário Machado disse…
Só pra constar uma das minha leitoras inteligentíssimas do ES é essa aqui acima.

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