Pular para o conteúdo principal

Diga-me com quem anda...

Sei bem que começar um texto que pretende avaliar ou pelo menos refletir sobre Política Externa com um adágio popular pode indicar um caminho tortuoso ou simplista ainda mais por que mais uma vez é o Irã que desperta essa análise.

Muitos irão pensar que o que escrevo não condiz com o que se tem que levar em conta na formulação de uma política externa, alguns por que acreditam que a separação entre política interna e externa é dogmática como querem alguns teóricos da ciência política e das relações internacionais, quando a prática reiteradamente nos mostra que essas linhas não existem. Fora isso há os que se encastelam na posição de que a não-ingerência isenta os formuladores de política externa de se confrontarem com a maneira que os estados com quem mantêm relações diplomáticas conduzem suas políticas internas.

Usando o método do reductio ad absurdum poderia se argumentar que poderia ser moralmente aceitável manter relações políticas com o III Reich mesmo sabendo do massacre e assassínio de judeus, comunistas, anarquistas, ciganos, homossexuais e deficientes físicos e mentais. (sendo que o primeiro grupo foi o que mais sofreu na máquina nazista de morte quer queiram os revisionistas quer não.). Nesse pequeno exercício fica patente quão ilógico é se encastelar por trás da não ingerência.

O governo Lula agindo em nome do Brasil e teoricamente amparado no interesse nacional ou no que o seu governo percebe como sendo interesse nacional (escrevo muito sobre isso e, portanto me permito não fundamentar muito a posição de que há um descompasso entre o interesse nacional e as ações externas do atual governo, que se pautam por afinidades, voluntarismos e ideologias, para mais sobre isso basta consultar o arquivo) busca protagonismo ao intermediar um acordo nuclear com o Irã e agir como ‘brooker’ entre essa República Islâmica e o ‘Ocidente’(que curiosamente inclui a China, já que essa é membro do P5).

De maneira geral o Brasil tem agido de maneira a ser um advogado não constituído do Irã, nesse particular o presidente Lula chegou a comparar a onda de manifestações contra supostas (quase certas) fraudes nas eleições dessa República com a efêmera revolta de torcedores que perdem um clássico. Um absurdo quando o mundo via por meio das redes sociais e da grande imprensa a morte desnecessária da jovem Neda.

Hoje enquanto Lula se encontra com mais um de seus queridos ditadores e o Chanceler Amorim faz uma ginástica intelectual para justificar certas posturas desse ditador surgiu a história da condenação e segundo temem ativistas iminente execução de uma mulher iraniana acusada de adultério, o método de execução é o cruel método do apedrejamento, algo que ocorre com regularidade nessa nação “amiga”. O Itamaraty escolheu ter relações em alto nível com o Irã, talvez a decisão tenha sido imposta goela baixo pelo Planalto, mas encontrou entusiastas dentro e fora das fileiras do ministério, pois bem, agora essa instituição tem uma obrigação moral de tentar intermediar na comutação dessa pena de morte, seria uma boa mostra de capacidade de influenciar sem pressionar parafraseando Amorim.

O silêncio nesse caso seria uma confissão de incapacidade de influir em um país que pretendemos mediar acordos em áreas sensibilíssimas como a diplomacia do átomo o que evidenciaria a fragilidade de nossa posição como um ator capaz de dar legitimidade a qualquer arranjo para clarear e aliviar as desconfianças da comunidade internacional que pairam sobre o regime dos Aiatolás. E não tenham dúvidas uma nota a imprensa expressando “preocupação” ou “exortando os líderes iranianos” ou qualquer coisa nesse sentido não é uma manifestação com peso real.

Não sou inocente a ponto de dizer que devemos conduzir nossa política externa a partir de princípios morais, mas não só de realismo cínico e pragmatismo vive uma política externa, afinal como já nos ensinou o Barão do Rio Branco a política externa é também um meio de projetar uma certa idéia de Brasil. E vincular essa idéia do que seria o nosso povo a esses regimes autocráticos e seus crimes é temerário até mesmo para consecução dos objetivos mais práticos da diplomacia tais quais abrir mercados, por que apoiar um regime que executa uma adultera não é uma imagem que ajuda a vender o “made in Brazil”.

Restam muitas perguntas que o tempo e a pesquisa nos responderão dentre elas: “Em sendo esse tipo de relacionamento o preço pelo protagonismo político internacional, será que esse protagonismo é desejável?”

PS: É tão fácil para certos analistas criticar com virulência a casos como Abu Ghraib ou Guantanamo, mas como se calam a violações em regimes que por qualquer razão simpatizam. Uma postura que demonstra, no mínimo, desonestidade intelectual. Ainda que engendrem toda sorte de justificações para isso. E muitos desses se consideram humanistas e defensores das minorias, sempre prontos a apontar para os "ultra-direitistas", "consevadores" e por ai vai. É sempre interessante notar essas coisas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crise no Equador

Sob forte protesto das forças policiais e parte dos militares, que impedem o funcionamento do aeroporto internacional de Quito. Presidente Correa cogita usar dispositivo constitucional que prevê dissolução do Congresso e eleições gerais. Mais uma grave crise política na América do Sul. Numa dessas coincidências típicas de se analisar as coisas internacionais discutia semana passada numa excelente postagem de Luís Felipe Kitamura no laureado blog Página Internacional a situação equatoriana. A postagem tinha como título Equador: a instabilidade política e suas lições . Na qual o colega discorria sobre o péssimo histórico de conturbação política do país andino e sobre como o governo Correa parecia romper com isso usando a receita da esquerda latina de certo pragmatismo econômico e políticas distributivas. Mas, justamente a instabilidade política que parecia a caminho da extinção volta com toda força em um episódio potencialmente perigoso, que contundo ainda é cedo para tecer uma análise

Meus leitores fiéis, pacientes e por vezes benevolentes e caridosos

Detesto falar da minha vida pessoal, ainda mais na exposição quase obscena que é a internet, mas creio que vocês merecem uma explicação sobre a falta de manutenção e atualização desse site, morar no interior tem vantagens e desvantagens, e nesse período as desvantagens têm prevalecido, seja na dificuldade na prestação de serviços básicos para esse mundo atual que é uma boa infra-estrutura de internet (que por sinal é frágil em todo o país) e serviço de suporte ao cliente (que também é estupidamente oferecido pelas empresas brasileiras), dificuldades do sub-desenvolvimento diria o menos politicamente correto entre nós. São nessas horas que vemos, sentimos e vivenciamos toda a fragilidade de uma sociedade na qual a inovação e a educação não são valores difundidos. Já não bastasse dificuldades crônicas de acesso à internet, ainda fritei um ‘pen drive’ antes de poder fazer o back up e perdi muitos textos, que já havia preparado para esse blog, incluso os textos que enviaria para o portal M

Extremismo ou ainda sobre a Noruega. Uma reflexão exploratória

O lugar comum seria começar esse texto conceituando extremismo como doutrina política que preconiza ações radicais e revolucionárias como meio de mudança política, em especial com o uso da violência. Mas, a essa altura até o mais alheio leitor sabe bem o que é o extremismo em todas as suas encarnações seja na direita tresloucada e racista como os neonazistas, seja na esquerda radical dos guerrilheiros da FARC e revolucionários comunistas, seja a de caráter religioso dos grupos mulçumanos, dos cristãos, em geral milenaristas, que assassinam médicos abortistas. Em resumo, todos esses que odeiam a liberdade individual e a democracia. Todos esses radicais extremistas tem algo em comum. Todos eles estão absolutamente convencidos que suas culturas, sociedades estão sob cerco do outro, um cerco insidioso e conspiratório e que a única maneira de se resgatarem dessa conspiração contra eles é buscar a pureza (racial, religiosa, ideológica e por ai vai) e agir com firmeza contra o inimigo. Ness