O blog do Dr. Mauricio Santoro – Todos os Fogos o Fogo – apresentou um texto nessa segunda-feira analisando uma matéria da prestigiosa revista inglesa “The Economist” intitulada: “Brazil's foreign-aid programme: Speak softly and carry a blank cheque”. Estimulado por esses dois textos decidi escrever também sobre essas duas facetas de atuação internacional.
Embora as duas possam ser classificadas forma abrangente como ajuda externa, os propósitos e meios das duas ações são distintos, mesmo por que nessa determinação podem-se incluir os empréstimos para importadores. Assim cabe fazer uma distinção quanto a natureza os projetos de cooperação internacional, envolvem projetos comuns, estruturados, com contrapartidas dos recipientes, um bom exemplo são os programas de formação de professores e os programas de assistência técnica.
A ajuda internacional, por sua vez, é a transferência unilateral de recursos financeiros, materiais ou humanos (nesse caso o serviço desempenhado por profissionais, obviamente). Um bom exemplo de ajuda externa é a ajuda humanitária em caso de tragédias, onde se oferece serviços médicos e de busca por vítimas, além de toneladas de remédios e alimentos, todos devidamente embalados com os dizeres um presente do povo do Brasil, ou algo do gênero.
É verdade, como sabem todos os que já estudaram cooperação internacional, que existem limitações legais na atuação externa do Brasil no que diz respeito ao uso de recursos financeiros, é vedado ao governo, transferir dinheiro para outros governos, bom pelo menos de maneira direta.
A cooperação internacional sempre esteve na ordem do dia da ação externa do Brasil, seja elaborando projetos de cooperação com as potências estabelecidas, seja compartilhando conhecimento técnico com nações pobres da América Latina (do Sul em maior parte) e na África (sobre as relações entre Brasil e África que foram bem estreitas durante o regime militar há um excelente livro de José Flávio Sombra Saraiva, O lugar da África).
Essas operações servem a política externa ao criarem uma oportunidade de projetar uma imagem de compromisso com o desenvolvimento além do que alguns chamam de egoísmos nacionais. Há alguma controvérsia sobre os ganhos que esse tipo de operação proporciona, mas participar em tais arranjos de ajuda e de cooperação são partes integrantes da vida internacional.
O governo atual manteve o ímpeto sul-sul que já orientava as relações externas do Brasil e nesse sentido valeu-se do aumento da capacidade de ação externa para incrementar esses arranjos, expandindo também o financiamento as exportações brasileiras e obras de infra-estrutura levadas a cabo por empresas nacionais, via BNDES, há exemplos disso com empreiteiras agindo em África e na América do Sul (Equador e Venezuela).
E ai que há o meu descontentamento com a matéria da The Economist ao somar o financiamento externo de exportações a cooperação internacional e ajuda unilateral que considero que devem ser analisadas em separado. Por terem objetivos diferentes e por terem mecanismos também diferentes.
Não obstante essa discordância em essência há um argumento sólido na linha de argumentação da revista que é o aumento dessas ações de maneira não muito clara, já que é difícil mesmo para alguém como o Lula comunicar ao povo brasileiro gastos anuais de mais de um bilhão de reais em operações de ajuda externa, com objetivo de combate a pobreza, quando aqui temos enormes dificuldades de infra-estrutura e de pobreza e mais quando somos ainda recipientes de ajuda externa.
É mais fácil convencer o contribuinte a arcar com os custos de um programa de combate a AIDS ou de mitigação da pobreza do que financiamentos milionários a obras construídas em outros países. Financiamento por sinal com prazos e juros muito mais beneficiários as grandes empresas brasileiras do que essas encontrariam no mercado, ou seja, o contribuinte está a subsidiar empreiteiros poderosos e ricos. E mais há graves falhas na supervisão dessas ações pelos organismos de auditoria e controle externo, além da omissão quase que completa do Congresso.
Por sinal já passou da hora de haver controle efetivo sobre as contas do Serviço Exterior Brasileiro. Afinal vivemos em uma democracia e nesse sistema entre outras coisas as contas do Estado e o uso do dinheiro apropriado dos cidadãos e empresas tornado público deve estar sujeito ao escrutínio público, tanto por parte do congresso, como da população em geral. Essa é uma das diferenças entre a ação externa chinesa e do Brasil, desse segundo se espera a transparência das democracias.
Em conclusão embora haja algo de positivo, muito positivo na ajuda externa brasileira e na cooperação internacional, afinal nossa geografia torna muito de nossos programas transferíveis para regiões pobres do mundo, além da experiência que alguns dos principais doadores do mundo podem não ter. Contudo, é preciso transparência na formulação dessas políticas, principalmente nas de financiamento externo, que podem ser usados para reforças regimes que por sua natureza não são parceiros que seria apropriado manter relações mais íntimas.
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PS: Recomendo a leitura dos textos citados acima e vale destacar que essa postagem contou com a ajuda esclarecedora do Mestre em Cooperação Internacional em Ciência & Tecnologia, pela UnB, professor de relações internacionais do UDF e meu colega de turma na UCB.
Comentários
Aproveito a oportunidade para indicar o último informe do Observatório da Política Externa do Brasil, grupo de extensão ligado ao Núcleo de Estudos Internacionais da Faculdade de Direito da USP (NEI/FDUSP). Nele, fiz alguns comentários sobre as ações em debate sob a rubrica "Desenvolvimento, pobreza e combate à fome". O texto está disponível aqui: http://neiarcadas.wordpress.com/2010/07/21/observatorio-peb15.
Um abraço,
Jefferson Nascimento.
Li seu artigo e gostei, contudo lá não havia espaço para comentário, ou fui incapaz de localizar esse espaço.
Obrigado pela leitura do blog e volte sempre.