Pular para o conteúdo principal

Uma reflexão sobre MERCOSUL e Liderança do Brasil

Tenho um amigo que é mestre em relações internacionais, por uma universidade da Florida e atualmente serve no Exército dos EUA (com todos os riscos que isso acarreta e que recentemente se tornou pai, então deixo meus parabéns, por sinal outra colega e parceira em um projeto, também formada em relações internacionais que também é militar nessa nação) que sempre “perturba” muito em fóruns dizendo que os cursos de relações internacionais no Brasil, ou pelo menos, a produção acadêmica nessa área aqui se restringe ao estudo do MERCOSUL.

Mas, toda essa digressão é um prólogo para tratar de um assunto que é sim de fato muito importante, não só por tudo o que sabemos da importância que foi a aproximação Brasil – Argentina, que passa até pela diplomacia do átomo (termo chique que chamam as questões nucleares), por questões energéticas envolvendo terceira-partes (Itaipu), pela democratização, alias contextualizar as negociações do MERCOSUL é importantíssimo para qualquer estudante de relações internacionais para entender como se dão negociações complexas, já tive a oportunidade de ouvir o Embaixador Botafogo (Presidente do CEBRI) algumas vezes versando sobre o assunto, inclusive em um curso que fiz em Buenos Aires, em uma belíssima palestra no Palácio de San Martín.

Sem dúvidas o MERCOSUL ocupou papel muito importante na agenda brasileira, contudo, essa importância não se correspondeu em um esforço para consolidar economicamente o bloco, para viabilizar de fato o campo comercial, ou seja, a meu ver se avançou antes do tempo em muitos campos, como o Parlasur (Parlamento do MERCOSUL) antes de se resolver as obscenas listas de exceção, partiu-se muito rapidamente para uma união aduaneira (que amarra seus membros e em parte justifica os poucos acordos bi-laterais de comércio que o Brasil possui), mas não se tratou de liberalizar os fluxos de comércio verdadeiramente.

Os sócios pequenos se beneficiariam muito desse maior fluxo comercial e de investimentos, na época que fiz esse curso supracitado a panacéia que se tinha para o bloco comercial era a criação de cadeias produtivas transnacionais, algo que nem o experimento europeu, bem mais avançado e complexo conseguiu construir.

A verdade é que a região é refratária a idéias liberais e liberalizantes e mesmo os organismos empresariais são bastantes adeptos da proteção estatal e pressionam seus governos ao menor sinal de flutuação em fluxos comerciais, para muitos empresários (compreensivelmente) o bloco econômico é um jogo de soma um.

De toda maneira o bloco é uma realidade que vai além da entrada sem passaporte entre os sócios, mas está muito aquém de suas potencialidades e do que se prometia. As razões são muitas, mas entre elas há sem dúvida uma componente política de grande importância. A maneira como o bloco é visto por seus sócios diz muito suas possibilidades de sucesso além das assimetrias patentes entre os sócios, que exigiria de Brasil e Argentina, mas principalmente do Brasil que arcasse com os custos da mitigação dessas assimetrias, contudo o Brasil embora uma potência emergente ainda é um país que carece de recursos para efetuar um papel desses sem espoliar seus contribuintes.

Nos últimos anos, durante a gestão do Presidente Lula, o Brasil impulsionado pelo crescimento mundial (alimentado pela bolha americana, que fora alimentada pela poupança chinesa, diga-se de passagem) conseguiu superar algumas dificuldades macro-econômicas, melhorando sua imagem, conseguindo ter reconhecido o status de emergente entre os emergentes, mesmo apresentando índices de crescimento baixos por muito tempo enquanto o mundo todo cresceu mais. Isto quer dizer que o Brasil cresceu em suas pretensões de global player, que começaram com o exportar ou morrer de FHC.

Mas, essa ambição e a diplomacia presidencial do discurso (e por isso mesmo voluntarista) não tem encontrado paralelo em ações, isto é, o Brasil cresceu em suas ambições internacionais, mas não consegue concretizar ações e a estagnação do MERCOSUL é uma prova disso.

Já escrevi aqui que um líder mundial (que é ambição do Brasil) não pode se abster de agir em suas fronteiras imediatas, sua zona primária de influência tem que ser preservada, no caso a abstenção solene do Brasil no imbróglio das papelaras foi sintomático. Afinal o país se arroga o papel de intermediador e facilitador no Oriente Médio, mas permite que dois de seus sócios mantenham por tanto tempo uma disputa amarga (disputas são normais, mas fechar uma ponte com conivência de um governo é demais). O permite que coloquei não é que advogue uma intervenção imperialistas nessas questões ou uma ingerência. E sim ações negociais, usando a popularidade na região do Presidente Lula, por exemplo.

É fato, como já escrevi antes, que o papel de mediador não é possível quando não se é visto assim pelas partes em disputa, mas isso não impede que se tente criar boa vontade entre as partes.

Essa questão das papeleras não me canso de escrever é uma mostra que a diplomacia nacional tem falado muito e agido pouco (para usar termos populares), mas também dá mostra do lócus que o MERCOSUL tem na agenda nacional, tem se tornado secundário, não há esforço nem interesse em fazer avançar suas propostas liberalizantes dos fluxos de comércio, na verdade parece haver uma predisposição de transformá-lo em um órgão mais político que o necessário, o que será fato com a adesão plena da Venezuela, que conduz sua diplomacia de maneira midiática.

O próximo governo tem que construir uma estratégia realista para alcançar os interesses nacionais, que incluem a proeminência internacional, contudo, seria interessante que se comunicasse a sociedade brasileira os custos dessa proeminência, que cedo ou tarde cobrará seu preço em tesouro e sangue (além dos militares que já perdemos no terremoto do Haiti). É preciso que se avalie corretamente o tamanho do Brasil e seu poder no cenário internacional, eu sei que é anticlimático ler isso enquanto o governo gasta milhões em publicidade (diretamente ou por meio de suas estatais) para dizer que o brasileiro nunca foi tão feliz.

Terei que me repetir, mas quem quer negociar a paz no Oriente Médio e dizer as potências nucleares como se comportar tem que o fazer em suas cercanias. Ou então seremos mais um gigante de pés de barro. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Fim da História ou vinte anos de crise? Angústias analíticas em um mundo pandêmico

O exercício da pesquisa acadêmica me ensinou que fazer ciência é conversar com a literatura, e que dessa conversa pode resultar tanto o avanço incremental no entendimento de um aspecto negligenciado pela teoria quanto o abandono de uma trilha teórica quando a realidade não dá suporte empírico as conjecturas, ainda que tenham lógica interna consistente. Sobretudo, a pesquisa é ler, não há alternativas, seja para entender o conceito histórico, ou para determinar as variáveis do seu experimento, pesquisar é ler, é interagir com o que foi lido, é como eu já disse: conversar com a literatura. Hoje, proponho um diálogo, ou pelo menos um início de conversa, que para muitos pode ser inusitado. Edward Carr foi pesquisador e acadêmico no começo do século XX, seu livro Vinte Anos de Crise nos mostra uma leitura muito refinada da realidade internacional que culminou na Segunda Guerra Mundial, editado pela primeira vez, em 1939. É uma mostra que é possível sim fazer boas leituras da história e da...

Ler, Refletir e Pensar: The Arab Risings, Israel and Hamas

Tenho nas últimas semanas reproduzido aqui artigos do STRATFOR (sempre com autorização), em sua versão original em inglês, ainda que isso possa excluir alguns leitores, infelizmente, também é fato mais que esperado que qualquer um que se dedique com mais afinco aos temas internacionais, ou coisas internacionais, seja capaz de mínimo ler em Inglês. Mais uma vez o texto é uma análise estratégica e mais uma vez o foco são as questões do Oriente Médio. Muito interessante a observação das atuações da Turquia, Arábia Saudita, Europa e EUA. Mas, mostra bem também o tanto que o interesse de quem está com as botas no chão é o que verdadeiramente motiva as ações seja de Israel, seja do Hamas. The Arab Risings, Israel and Hamas By George Friedman There was one striking thing missing from the events in the Middle East in past months : Israel. While certainly mentioned and condemned, none of the demonstrations centered on the issue of Israel. Israel was a side issue for the demonstrators, with ...

Teoria geral do comércio de Krugman e Obstfeld

Modelo elaborado por KRUGMAN e OBSTFELD (2001, p 65) propõe um formato de comércio internacional baseado em quatro relações: a relação entre a fronteira de possibilidades de produção e a oferta relativa; a relação entre preços relativos e demanda; a determinação do equilíbrio mundial por meio da oferta relativa mundial e demanda relativa mundial; e o efeito dos termos de troca [1] sobre o bem estar de uma nação. Quanto ao primeiro item a inferência desse modelo é suportada pelo conceito microeconômico que uma economia, sem deformidades, produz em seu ponto máximo da fronteira da possibilidade de produção, como esse modelo assume mais de um fator e mais de um bem, a forma como a distribuição se dará será determinada pela oferta relativa de determinado bem alterando as possibilidades de produção de toda a economia por alocar mais recursos na produção desse bem. No que se refere à relação entre preços relativos e demanda pressupõe que a demanda por determinado bem deriva da relação entre...