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Não é um primor?

[Texto originalmente escrito dia 10 de junho]

No primeiro dia de aula de relações internacionais todo estudante aprende que independentemente da corrente teórica e analítica que se aborde relações internacionais é uma disciplina que estuda o poder, em um lócus especifico o sistema internacional.

Mas, o poder é núcleo central das mais respeitadas e epistemologicamente sólidas teorias das relações internacionais, por sinal se tem que as questões do poder são preocupação quase que exclusiva dos realistas e seus descendentes, mas mesmo a escola pré Segunda Guerra Mundial, já tinha o poder em mente, é claro que esses analistas eram entusiastas do papel do sistema multilateral e do direito internacional como meio para o alcance da paz perpétua.

Deixando os grandes debates teóricos de lado e nos atendo ao noticiário do mundo real, por assim dizer, temos hoje (dia que escrevo, sinceramente não sei quando conseguirei publicar esses textos) a aprovação de uma nova rodada de sanções do Conselho de Segurança da ONU, o placar foi o esperado, até mesmo a abstenção libanesa.

A reação brasileira foi estridente com discursos duros (e um tanto vazios) de nossa Embaixadora na ONU, Maria Luiza Ribeiro Viotti (como é bom ver uma mulher em posições de destaque no Itamaraty, já está na hora, como indaguei em meu post de 8 de março), do Ministro Amorim e o próprio Presidente.

Foram repetidos os argumentos que se desenham desde que o mundo não comprou a Declaração de Teerã, como um efetivo demonstrativo de boa vontade, afinal o histórico da República Islâmica não é muito favorável, com muitas idas e vindas em matéria nuclear.

O Ministro Amorim no Senado Federal declarou segundo relatos que tive acesso pela rede Globo News que muitos dos países que votaram pelas sanções o fizeram por que foram pressionados por aqueles que têm mais poder. E falou em tom denuncia, num grande J’accuse, mas não é o uso do poder a essência da política? E mais não é poder a moeda do sistema internacional?

Alias a própria demanda brasileira por maior representatividade do conselho é baseada na premissa que as relações de poder mudaram de tal ponto desde o final da Segunda Grande Guerra que o CS não mais representa a fungibilidade do poder no mundo atual.

A premissa que se baseia a diplomacia brasileira é que o fenômeno de emergência econômica qualifica os membros desse grupo a serem ouvidos e influenciarem as políticas e regimes internacionais, o que de fato já está a se dar em um nível inicial nas negociações econômicas (G-20) e em um menor nível nas negociações comerciais por que nesse caso o grupo tem interesses demasiadamente distintos para agirem de forma coordenada, nesse caso vale o conceito de alianças de geometria variável.

Voltando as reações do Brasil, pelo menos as primeiras para a mídia, afinal por escrito as coisas sempre se acalmam, elas tinham além do argumento do uso de pressão por parte das potências o que colocaria a resolução em suspeito, como não sendo a manifestação material de uma preocupação da comunidade internacional, instata pela AIEA e sim a determinação de uma pequena parcela de detentores do poder que se recusam a assimilar a mudança da “geografia do poder” e decidiram demonstrar seu poder contra o Irã. O presidente até usou de suas famosas e mal-concebidas ilustrações comparando a resolução ao ato de um pai severo em demasia. (Sem dúvida um fenômeno de comunicação simples e simplória, mas que nesse caso é auto-evidente a falta de essência na comparação, estou sem acesso à internet enquanto escrevo, mas imagino a paixão e o teor dos debates).

Essa tese com certeza terá ecos na academia, já vi uma ou duas professoras (conceituadas que eu pessoalmente nunca tive em alta estima, me pergunto se exteriorizar esses pensamentos não vai me prejudicar em avanços acadêmicos futuros?) defenderem essa visão de que falta democracia no Conselho de Segurança e uma mensagem de que haveria um pré-julgamento que tornaria as negociações inúteis, esses analistas ao mesmo tempo louvam a ação do Brasil junto com os turcos que demonstraria independentemente do resultado o status do Brasil.

Contudo, a questão não é sobre o Brasil e a Turquia, tampouco o grau de poder relativo (afinal poder é sempre medido de maneira relativa) dos emergentes, o cerne da questão é o comportamento do Irã e suas intenções e o adimplemento de seus compromissos no âmbito do TNP.

Agora reclamar do sistema internacional por que os que tem poder o usam pode até ficar bem diante de certos extratos da opinião pública e grupos políticos, mas na boca de um acadêmico e profissional das relações exteriores, que muitos idolatram, não é um primor?

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