Eu que sou um homem católico cometerei uma heresia nas linhas próximas, não uma heresia ao pé da letra, mas sim uma atitude que em alguns círculos será considerada herética.
A língua portuguesa perdeu seu autor mais laureado (o que não quer dizer melhor), o único até hoje a receber o Prêmio Nobel de Literatura (1998), algo sem dúvida importante para o idioma que se constitui herança comum aos povos que compõem a CPLP.
Não sou fã do trabalho de Saramago, mas claro reconheço sua importância, o autor foi um produto de seu tempo um quase clichê no que tange a ser um intelectual, ateu e um irredutível comunista, desses que não arrefecem suas crenças nem a luz das atrocidades derivadas delas. Criticar alguém que recém faleceu não me parece de bom tom, mas também não o é fingir que esta pessoa era perfeita. Ou mudar o juízo que se tinha dela.
Saramago incorporava tudo que eu mais rejeito (como Garcia Marquez, de quem gosto da literatura e tenho asco das escolhas políticas), mas devo reconhecer que por um período concordamos em algo quando este manifestou, ainda que de forma delicada sua repulsa ao governo cubano quando este executou ‘criminosos’ que haviam seqüestrado, sem uso de violência, uma balsa com o objetivo de escapar da ilha prisão dos irmãos Castro, no ano de 2003, embora seu encanto com a ilha tenha retornado e o motivado a defender essa ditadura em outras ocasiões e a de fato ser cúmplice da brutalidade que lá existe, e ainda ser cantado em verso e prosa como humanista e defensor da liberdade, como alguém que queria um mundo melhor, mas esse não é um debate para agora.
Interessante notar que mesmo diante de seu ateísmo ativista a temática da sua literatura parece bem influenciada pela temática divina, pela noção de Deus e parecia buscar a polêmica religiosa para catapultar seus livros, mas posso nessa seara estar a falar besteiras já que crítica literária é terreno para seres mais eruditos que eu, que sou um singelo leitor que gosta ou não dos livros que lê.
Transcrevo abaixo o texto do artigo, supracitado, publicado no jornal espanhol “El Pais”, em 14 de abril de 2003, o único de seus escritos que de alguma maneira, mesmo que superficialmente me toca. Deixo aqui meus pêsames a seus familiares e apreciadores.
Até aqui cheguei
Até aqui cheguei. De agora em diante, Cuba seguirá seu caminho e eu fico. Divergir é um direito que se encontra e se encontrará inscrito com tinta invisível em todas as declarações de direitos humanos passadas, presentes e futuras. Divergir é um ato irrenunciável de consciência. Pode ser que divergir conduza a traição, mas isso sempre tem que ser demonstrado com provas irrefutáveis. Não acredito que se tenha agido sem deixar margem a duvidas no julgamento recente de onde saíram condenados a penas desproporcionais os cubanos dissidentes. E não se compreende se houve conspiração, porque não foi expulso o encarregado da Seção de Interesses dos EUA em Havana, a outra parte da conspiração.
Agora acontecem os fuzilamentos. Seqüestrar um barco ou um avião é um crime severamente punível em qualquer país do mundo, mas não se condena a morte os seqüestradores, principalmente tendo em conta que não houve vítimas. Cuba não ganhou nenhuma batalha heróica fuzilando esses três homens, mas, sim perdeu minha confiança, arrasou minhas esperanças e frustrou minhas ilusões. Até aqui cheguei*.
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* Tradução minha, portanto, recomendo o original que se encontra em link acima. Traduzi por considerar o português apropriado para tratar de Saramago.
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