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Conselho de Defesa Sul-Americano: Alguns pensamentos

Novas compras de armas foram anunciadas recentemente por parte da República Bolivariana da Venezuela, dentro de um programa já anunciado de cooperação entre esse país e a Rússia, um ente extra-regional, que busca expandir sua influência na região, tentando contrabalançar os avanços dos EUA, Europa e China em suas cercanias. Investindo numa região que tem tido a liderança dos EUA ameaçada com a sede constante de matérias-primas e novos mercados da China e o fluxo de Investimentos Estrangeiros Diretos – IED, principalmente espanhóis que seguiram a liberalização na região, em especial na área de serviços bancários, telecomunicações e infra-estrutura.

O organismo de segurança coletiva regional surgiu no esteio dos conflitos lindeiros entre Colômbia e Equador-Venezuela, por conta do bombardeio ao acampamento guerrilheiro em solo equatoriano, que consta era tolerado pelo governo local e os guerrilheiros lá mantinham contatos com simpatizantes e apoiadores em países vizinhos o que foi embaraçoso para governos da região, incluso o brasileiro, mas principalmente o venezuelano. Inclusive a Espanha denunciou formalmente o apoio do regime de Caracas ao grupo terrorista basco ETA.

Esse episódio elevou as tensões na região e exigiu muita diplomacia para desarmar o conflito iminente, mas o estopim que levou a campanha do Ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim, pela criação desse organismo de concertação, foi o acordo militar entre a Colômbia e os EUA que junto a reativação da IV frota da Marinha dos EUA, acendeu os sinais de alerta nos círculos de defesa e entre os líderes de esquerda, classificados como progressistas, que são maioria na região.

Esses países instaram a Colômbia a dar explicações sobre um acordo feito soberanamente, sob o manto de que a segurança regional suplanta a soberania dos Estados. Chegaram ao ponto de exigir garantias. De fato uma postura dura de quem mais tarde se diria negociador nato. Contudo, uma postura do Brasil que condiz com quem se quer líder natural na região, o que causa estranheza em analistas, principalmente na mídia é que a mesma dureza não existe em exigir, e o termo que usam é esse mesmo, explicações sob a natureza da compra de armas pela Venezuela, que tem sistematicamente adquirido materiais de ponta para suas forças.

Especialistas em defesa não vêem com bons olhos esse tipo de melhorias bruscas em capacidades militares de uma força, por que seu desenvolvimento técnico e de sua indústria nacional não acompanha essa inovações deixando as FFAA, de certo modo reféns de uma força externa. É emblemático o caso dos mísseis franceses ‘exocet’ que foram adquiridos pela Argentina que não tiveram a devida assistência técnica quando da confrontação nas ilhas Falklands/Malvinas, seu uso efetivo exigiu muito esforço dos engenheiros da Armada Argentina e ainda assim tiveram muitos problemas operacionais.

Outro ponto é que as compras Venezuelanas alteram o equilíbrio de forças na região que pode provocar uma corrida armamentista, Chávez argumenta que suas comparas são para responder as ameaças do Império (EUA) e de seus lacaios (Colômbia).

A retórica agressiva de Chávez, claramente voltada para o consumo interno é por vezes minimizada na analises, contudo ela cria desconfianças e gera armadilhas de honra, ou seja, colocam o Chávez em uma posição que em caso de escalada se ele não partir para a confrontação ele corre risco de ter um enfraquecimento moral.

O Brasil, e ai é uma questão que terá que ser lidada pelo próximo presidente, tem que tomar posições que evitem qualquer tipo de confronto em suas fronteiras que são extremamente porosas, o que pode provocar um fluxo repentino de refugiados e não estamos preparados para lidar com isso, como provam os desastres naturais no Brasil. Vemos todos os anos em todas as  regiões legiões de pessoas desabrigadas sem o devido apoio do governo, aliás, fato pouco divulgado é a ausência do Presidente dos locais de desastre que nunca visita. Outro perigo é um eventual conflito se espalhar até o território nacional deteriorando ainda mais nossos índices de violência.

Portanto, coordenação regional em temas de defesa serve diretamente aos interesses nacionais, afinal a segurança é vital para que os estados possam atingir suas metas de desenvolvimento econômico e social. Mas, para isso é preciso que o organismo não seja um lócus de retórica antiamericana, disfarçada de retórica antiimperialista. Por que além desses desafios postos acima há o mais corrosivo de todos que é o problema do tráfico de drogas que pede respostas coordenadas uma vez que os grupos de tráfico agem transnacionalmente e de maneira muito refinada em mecanismos de lavagem de dinheiro, além de possuírem meios para corromper autoridades e impor embaraços e dificuldades aos estados da região mesmo os mais organizados como o Brasil.

Assim seria saudável que a compra de materiais por um vizinho como a Venezuela, que tem gradativamente militarizado sua sociedade, isso sem contar a desconfiança que paira sobre essa compra mais recente que pode ser parte de uma operação para burlar os embargos de armas ao Irã, já que o lote que os russos estão a vender para Venezuela é o mesmo que seria vendido a República Islâmica.

Cabe-nos observar se e como o tema será abordado pelo governo nesse final de mandato e pelos candidatos ao Planalto (temporariamente CCBB, já que o Palácio está em reforma). 

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