Pular para o conteúdo principal

Brasil, Irã e Analistas: Convicção, idealismo ou wishful thinking?

Já escrevi aqui que é estapafúrdia a noção de que de alguma maneira os membros do Itamaraty e da administração federal sejam inocentes úteis nas mãos da diplomacia iraniana, tese muito aventada na imprensa estrangeira, com base em falas de diplomatas desses que com certeza não querem melindrar o Brasil, ou não vêem necessidade de fazer críticas midiáticas. De algum modo a tese da ingenuidade é simpática por que não imputa maiores responsabilidades aos líderes brasileiros e abaixa um pouco o tom das manifestações contrárias ao mesmo tempo em que mandam um recado velado eficiente de que para essas chancelarias o Brasil ainda não conquistou uma posição de player e seus esforços não estão contribuindo para isso.

A tese é descabida, reitero, quando aplicada ao governo, mas não quando aplicada a muitos de seus defensores na mídia e na academia. Há indivíduos nesses espaços que louvam acriticamente as teses ventiladas pelo Itamaraty. Não tenho elementos para propor que sejam intelectualmente desonestos (pelo menos os que me inspiraram a escrever essas linhas) e que tenham ligações com o governo outras que não de concórdia intelectual, ou seja, não são membros da administração nem filiados aos partidos que compõem a base aliada.

Esses analistas sustentam que as ingerências brasileiras são positivas não obstante os resultados por que pelo simples fato de ter cumprido seus compromissos com a paz e estabilidade internacional explícitos e implícitos no mandato temporário como membro do Conselho de Segurança, é mostra da responsabilidade do Brasil junto a comunidade internacional. E o fato de ter alcançado o aceite ainda que precário do acordo anteriormente apresentado pelo sexteto (P5 + Alemanha) demonstra que o status do Brasil mudou e que esse é capaz de influenciar na conformação dos regimes internacionais, sendo um interlocutor importante e até mesmo indispensável nas grandes questões internacionais.

Eu discordo diametralmente dessa posição uma vez que as evidências demonstram que o acordo precário acabou por levantar questões sobre a capacidade brasileira de agir, ainda mais por que esse arranjo feito em Teerã foi claramente qualificado como uma tentativa por parte do Irã de ganhar tempo para concluir o enriquecimento de urânio e até mesmo de conseguir ter um dispositivo nuclear, por que ai como disse o Presidente Obama muda o jogo no Oriente Médio. Para evitar essa alteração no equilíbrio regional (que poderia levar a mais proliferação nuclear) a Europa e os EUA estão empenhados em evitar o acesso de Irã a materiais físseis em quantidade e qualidade para produzir armas, bem como aos vetores de entrega dessas armas. Além de pressionar a base econômica do Irã na esperança de aumentar a força da oposição que poderia mudar a retórica e principalmente o comportamento do país.

Nesse cenário a ingerência brasileira se mostra como uma tentativa de marcar posição sabendo que seria derrotado no Conselho de Segurança, o que levanta questões sobre os porquês do Brasil ter escolhido justamente essa questão com baixa chance de sucesso para agir.

E nesse debate não temos elementos (informações) suficientes para construir uma hipótese coerente, podemos elucubrar que a diplomacia calculou que só tinha a ganhar nessa questão. (um editorial do Estado de São Paulo do dia 22 de junho trata disso). O Itamaraty vazou a carta de Obama, para justificar que sua posição proativa fora fruto de uma permissão de Washington, sim um paradoxo ainda mais para quem sempre que pode se arroga independência e protagonismo.

Versões oficiais são sempre interessantes, mas é míope crer que elas contenham todos os dados ou mesmo a verdade (no sentido ontológico). Nesse sentido tenho lido muito na internet sobre as benesses dessa posição brasileira, e muito da argumentação é calcada nas versões oficiais, inclusive a versão de que o acordo atendia as condições de evitar a quarta rodada de sanções, assim à única explicação para o descarte do acordo seria uma intenção prévia de dizer não. Um juízo pré-concebido, portanto a vitória da diplomacia brasileira teria sido invalidada no tapetão (para usar expressões futebolísticas que o Presidente gosta tanto). Esses analistas e comentaristas, também, se apegam as justificativas oficiais do governo iraniano para negar o acesso de inspetores da AIEA. Que é a tese de que não estariam evitando inspeções e que o problema seria sim com os inspetores em questão.

Claro que compartir dessa visão é importante no esquema analítico dessas pessoas, uma vez que a proibição da entrada de inspetores é a essência da desconfiança da comunidade internacional e da AIEA quanto ao Irã, a razão das sanções e admitir que o Irã faça isso e ainda assim defender como pacifico e adimplente o programa iraniano se configuraria em desonestidade intelectual.

Esses analistas se distinguem de mim, ao insistir que a manobra no Irã foi um sucesso da diplomacia brasileira, que foi minado pelos EUA (que teriam então nos usado, vis a vis a carta vazada) e que essa ação no Oriente Médio nos coloca a mesa dos grandes, em posição de projetar uma imagem de liderança benévola e sequiosa de paz e democracia nos sistema internacional (não nos países já que o Brasil se relaciona muito bem em com ditadores). A meu ver a manobra sobrevalorizou a capacidade de ação do Brasil (uma vez que não obteve resultados) e foi alinhavada e suas bases estratégicas serviam muito mais a questões midiáticas e ideológicas dos líderes brasileiros da vez e menos ao interesse nacional.

Sem ‘fulanizar’ e sem querer criar celeumas, contudo diante desse imbróglio iraniano uma pergunta fica em minha cabeça por que razão esses analistas insistem em suas teses seria convicção, idealismo ou puro wishful thinking?

________________________________
[momento ombudsman]: Poderiam esses analistas se perguntar se sou extremamente cético com as versões oficiais, talvez cético demais. Ou que minha crítica contundente ao governo seria construída com bases em minhas idiossincrasias. Trabalho de modo a sustentar minhas posições com evidências e com uma retórica lógica, mas quem avalia isso são vocês os leitores, ainda que eu tenha um controle de qualidade interno. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Bye, bye! O Brexit visto por Francisco Seixas da Costa

Francisco Seixas da Costa é diplomata português, de carreira, hoje aposentado ou reformado como dizem em Portugal, com grande experiência sobre os intricados meandros da diplomacia européia, seu estilo de escrita (e não me canso de escrever sobre isso aqui) torna suas análises ainda mais saborosas. Abaixo o autor tece algumas impressões sobre a saída do Reino Unido da União Européia. Concordo com as razões que o autor identifica como raiz da saída britânica longe de embarcar na leitura dominante sua serenidade é alentadora nesses dias de alarmismos e exagero. O original pode ser lido aqui , transcrito com autorização do autor tal qual o original. Bye, bye! Por Francisco Seixas da Costa O Brexit passou. Não vale a pena chorar sobre leite derramado, mas é importante perceber o que ocorreu, porque as razões que motivaram a escolha democrática britânica, sendo próprias e específicas, ligam-se a um "malaise" que se estende muito para além da ilha. E se esse mal-estar ...

Fim da História ou vinte anos de crise? Angústias analíticas em um mundo pandêmico

O exercício da pesquisa acadêmica me ensinou que fazer ciência é conversar com a literatura, e que dessa conversa pode resultar tanto o avanço incremental no entendimento de um aspecto negligenciado pela teoria quanto o abandono de uma trilha teórica quando a realidade não dá suporte empírico as conjecturas, ainda que tenham lógica interna consistente. Sobretudo, a pesquisa é ler, não há alternativas, seja para entender o conceito histórico, ou para determinar as variáveis do seu experimento, pesquisar é ler, é interagir com o que foi lido, é como eu já disse: conversar com a literatura. Hoje, proponho um diálogo, ou pelo menos um início de conversa, que para muitos pode ser inusitado. Edward Carr foi pesquisador e acadêmico no começo do século XX, seu livro Vinte Anos de Crise nos mostra uma leitura muito refinada da realidade internacional que culminou na Segunda Guerra Mundial, editado pela primeira vez, em 1939. É uma mostra que é possível sim fazer boas leituras da história e da...