Há inúmeros livros e estudos (bem produzidos ou não) sobre a história das relações entre Brasil e EUA com toda sorte de enfoques e cortes históricos esmiuçando cada detalhe e cada fase dessas relações. Portanto, seria além de pretensioso e descabido no espaço de um blog querer fazer um levantamento profundo dessas relações.
Contudo, lances diplomáticos de ambos os lados demonstram um desgaste entre os governos, o que não significa que há rompimentos das relações no horizonte próximo, que são demonstrados com o recurso do uso da imprensa nessas relações, isto é, as duas chancelarias tem publicamente tratado seus desencontros o que naturalmente eleva o tom do debate na opinião pública.
A América Latina, em geral, é uma região propensa ao pensamento antiamericano, seus líderes populistas (e até os não populistas) têm em Washington um belo bode expiatório já que em muitos casos a ação americana na região é desastrosa, ainda que no sentido amplo da estratégia dos EUA seja o passo correto o preço pago por essas movimentações é a perda dos “corações e mentes”, por exemplo, era necessário pelo esquema geral das relações americanas conter de todo modo possível a instalação de regimes hostis e comunistas que poderiam ser uma ameaça a sua segurança. Agora o preço dessa intervenção é que isso serviu de combustível para os ideólogos e propagandistas do antiamericanismo.
Nesse ambiente em que ter boas relações com os EUA é visto por muitos como sinal de fraqueza e subjeção ao império é vital para o Departamento de Estado contar com regimes amistosos e moderados, por anos o Brasil foi percebido como esse interlocutor moderado, uma vez que o governo Lula manteve a ortodoxia econômica e manteve um discurso suficientemente neutro em retórica, com os arroubos vistos como jogo cênico.
Havia uma enorme boa vontade com Brasília, vista acima do Rio Bravo como capaz de contrabalancear a influência chavista e seria um “bom exemplo” para os demais países sul-americanos. Esse cotejamento explica a frase tão repetida aqui em que Obama chama Lula de “O cara”.
Essa percepção do Departamento de Estado começou a se esvair, a meu ver, em Honduras e na recepção de Ahmadnejad e no tratamento efusivo de Lula para com todo ditador antiamericano que há nesse planeta (numa observação pessoal, é preciso ter muito estomago para abraçar Muamar Khadafi ou Fidel Castro sem ficar enojado, seria como abraçar fraternalmente Pinochet).
Claro que não se faz política externa usando o norte moral como um absoluto, por vezes o interesse nacional é melhor servido com vista grossas a certos comportamentos de seus aliados, mas isso é melhor feito com o silêncio do que na tentativa de criar justificativas, afinal advogar por regimes suspeitos não serve ao interesse nacional. Ok, temos um bom comércio com Irã, mas seu volume de cerca de um bilhão de dólares vale a pena se indispor com os EUA e Europa? Se a justificativa é mercantilista para o sim é melhor que se recorra a mais elementar aritmética.
Conduzir uma política externa assertiva calcada no interesse nacional eventualmente provocará atritos com as potências dominantes, afinal o status quo sempre tenta manter a inércia. O erro é confundir essa política assertiva com uma política externa politicamente e partidariamente viesada criando atritos desnecessários que como sempre defendo draga recursos humanos e materiais que seriam melhor empregados resolvendo e facilitando os conflitos necessários.
Um exemplo de conflito necessário são as disputas comerciais na OMC que são a manifestação do interesse de setores específicos da economia nacional que se coadunam com o interesse nacional de liberalização comercial, parte da estratégia nacional perene que é a busca pelo desenvolvimento econômico e social do Brasil. Esse conflito é claro gera animosidades no Congresso daquele país que é muito influenciado pelos grupos de pressão dos setores que são beneficiados pelas políticas contestadas no Sistema de Resolução de Controvérsia.
E isso é o cerne do problema por que todas as medidas comerciais que o Brasil quer sejam revertidas são de responsabilidade do legislativo, não a toa grupos brasileiros se movimentam para advogar questões como reformas da Farm Bill, de maneira não muito ostensiva é claro, mas por meio das câmaras de comércio (Amcham, em especial), que conseguem bons resultados em temas como evitar a bi-tributação. Essas ações operam um pouco abaixo do radar da imprensa já que relações harmoniosas não rendem assunto para analistas, comentaristas e mesmo blogueiros (mea culpa).
Mas, toda essa relação construída pelo comércio é subordinada as relações políticas, nesse sentido a aventura brasileira de ativismo protagônico no Oriente Médio, pode gerar uma conseqüência não antecipada (algo que sempre levantei como possível em meus textos) que é a inclusão do etanol na lista das sanções unilaterais dos EUA contra o Irã, um sinal claro para o Brasil que é o maior defensor da transformação dos bicombustíveis em commodities.
Esse é um recado direto para Brasília relembrando que as leis da física, também são verdade na política, ou seja, toda ação provoca reação, na política não é de intensidade igual em sentido contrário, mas que há reações, isso é inegável. E há no horizonte possibilidades de um acirramento desses conflitos velados que se não bem conduzidos podem se elevar não só em tom como em conseqüências. Claro , as eleições de novembro abrem possibilidade para renovar essas relações.
Não quero aqui criar um tratado definitivo, mas a luz do atual encadeamento dos fatos será preciso muito tato para conduzir as relações entre os dois países, resguardando os interesses nacionais. A aventura iraniana do Itamaraty e a deselegância do vazamento da Carta de Obama, que ao contrário do que querem impor alguns não era uma convocatória para o Brasil intervir da maneira que fez. Por que não há compromissos verdadeiros na declaração de Teerã, que em essência uma declaração de intenções já feita e já revogada em oportunidades anteriores.
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