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Sobre embates e debates

O assunto do ano, sem dúvidas, é a questão do Irã em sua amplitude total (ou seja, a liberdade que todos temos em elucubrar sobre os dilemas de segurança do Irã, da região, necessidade ou não de ter um artefato nuclear) e a mais prática que é a que a relação do Brasil com Irã e sua conveniência ou não para a consecução dos objetivos nacionais, se isso serve ou não ao interesse nacional. Isso é um debate acadêmico, um debate de idéias que deve se dar livremente, com alguns parâmetros que obedeçam aos critérios da lógica e de decoro.

Mas, o tema dessa postagem não é esse. Nas ultimas semanas publiquei dois textos comentando escritos de outro autor (aqui e aqui) que haviam me chegado por e-mail (que não solicitei, e que aparentemente o autor leu as minhas restrições e retirou meu e-mail da lista). Nesses textos eu não nominei o autor, não por temer um embate aberto, mas por que minhas restrições ao que ele escrevia eram pontuais e minhas intenções com o texto não eram belicosas, mas sim de mostrar aos meus leitores que eles devem exercer sempre seu poder crítico, inclusive aqui, que não devem nunca abrir mão de pensar livremente, de procurar dados, de comprovar o que é escrito, de refletir sobre a lógica dos argumentos. Não quero e nem tenho seguidores cegos (graças a Deus!) quero ter (e oxalá tenha) leitores que me levem em conta na hora de formarem suas próprias opiniões.

E o autor que eu citei parece ter a mesma intenção, por isso mesmo em meus momentos mais críticos não fiz ilações sobre a natureza dele, sobre seu caráter ou honestidade, mesmo quando disse que ele escreve um panfleto ideológico, por que como escrevi no referido texto é um direito dele. E de fato em momento nenhum ele se arroga fazer ciência em seus textos, isto é, são peças opinativas, como as minhas aqui. (com algumas exceções de textos que têm o formalismo de pesquisa acadêmica).

Continuo acompanhando os escritos desse autor, que é colega de amigos meus em alguns sites especializados, não para ser um detrator ou me ocupar dele, mas sim por que é saudável se expor ao contraditório, é saudável para minhas capacidades de argumentação ler pontos de vista contrários aos meus. Mesmo por que não considero discordâncias intelectuais como coisas pessoais, quero dizer, não tomo a discordância como inimizade, como perseguição. Posso ter adversários, mas não os considero inimigos, a não ser que passem para argumentações ad homimen. Acho natural a discordância, por sinal, os melhores e mais apaixonados embates sobre relações internacionais que já tive foram com grandes amigos e no âmbito da minha antiga empresa a Exteriore Consultoria. E isso nunca passou para linha do pessoal. Por que uma coisa meus caros que não podemos perder é o decoro, temos que manter a compostura ainda mais quando em debates francos com pessoas inteligentes e honestas.

Escrevo isso, por que aqui nesse universo virtual (fóruns de debate, blogs, listas de discussão, comunidades em redes sociais e por ai vai) por vezes é fácil perder o decoro e partir para uma linha de discussão fraca de conteúdo e repleta de epítetos, de uma forma mais sucinta a discussão passa de objetiva para adjetiva.

Sou um debatedor bastante insistente e rigoroso com a linguagem e com o conteúdo, uso do escrutínio rigoroso e por vezes de linhas de argumentação que são agressivas, mas decorosas como a ironia (socrática) e o reductio ad absurdum que geram respostas emotivas, talvez por que muitos dos debatedores não têm preparo para debater, outros por que não conhecem técnicas de debate, ou estão acostumados a debater e “ganhar no grito”.

Não faltam os que consideram essa minha característica incisiva em debates como sendo arrogância ou um virtual desejo de ter sempre razão (como se alguém desejasse estar sempre errado), não raro fazem ilações sobre minha felicidade pessoal (baseados em minha aparência física, o que é francamente patético, isso sem contar os boçais que fazem outros tipos de ilações que nem menção merecem) ou sucesso profissional (por que às vezes não faço coro de suas ilusões utópicas quanto à carreira em relações internacionais).

Ainda assim com todas essas pechas busco por comentários objetivos, busco destruir argumentos e ao contrário do que muitos pensam não é intolerância, tampouco falta de respeito a opinião alheia. Alias muito me irrita esse tipo de argumento “paz e amor” que no fim das contas elimina a discussão, a persuasão e o fato de que certas idéias devem ser combatidas e isso não significa desrespeito pessoal, mas sim independência, pensamento autônomo. E o debate é saudável, se calar é se omitir. Não opinar por medo de melindrar alguém é covardia.

Por sinal os fóruns abrigam os agressivos que não sabem discutir sem excluir a dimensão pessoal dos debatedores (apelam para xingamentos, por exemplo, se você é contrário a alguma posição do governo, você é membro da elite e blá, blá, blá.) e os “vilipendiados” aqueles que se sentem profundamente injuriados quando tem suas opiniões contestadas e ai não só não conseguem refutar como em geral se fazem de vítimas perseguidas, alguns até chamam outros para ajudarem na sua defesa. Ou simplesmente saem da discussão acusando outros de intolerância e por ai vai e como sabemos incorrem em inúmeras falácias da lógica, que são falhas elementares de pensamento.

Falo disso por que o autor de quem discordei (e discordo) apesar de ter excluído meu e-mail de sua lista não se indignou por conta das minhas críticas e parece as ter compreendido como são. Divergências de idéias, de visões de mundo, de conceitos. E isso é muito positivo, por que no campo dos debates virtuais a maturidade é algo raro, e não falo só entre blogueiros de menor audiência, mas entre medalhões que por vezes perdem a linha.

O debate é ponto crucial da formação de uma pessoa e de um profissional, afinal é necessário saber expor seus pontos de vista, saber defende-los com argumentos lógicos, saber ouvir e entender pontos de vista diferentes e argumentar sobre eles. Ao mesmo tempo em que se está suscetível a ter suas próprias visões desafiadas e eventualmente provadas ou refutadas. Não há nada pior para alguém que se quer cientista, analista do que cair na armadilha da “síndrome de Gabriela” (todo mundo conhece aquelas pessoas que acham muito bonito dizer: "eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim [...] eu sou sempre igual", já diz à canção que escolhi para ilustrar essa suposta síndrome que criei).

Para bem analisar as relações internacionais é preciso, entre outras coisas, ter a mente aberta, mas com convicção em suas visões e crenças. Contudo, convicção não é teimosia, não é cegueira, não é fanatismo. 

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