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O nacionalismo sai do armário

No primeiro texto que escrevi sobre a aproximação Brasil e Irã, afirmei que temia que seria um passo que convidaria a entrada do mal no Brasil, usei a velha e manjada imagem do vampiro, que só pode adentrar a residência de alguém se convidado (pelo menos essa é a versão predominante nas histórias de vampiro). Na época meu temor era que o Brasil pudesse se tornar um campo de recrutamento de extremistas, afinal nossas condições sociais podem ser campo fértil para isso, dado o volume de jovens sem acesso a educação, cultura, formação humana, laços familiares fortes. Além de muitos deles não terem mais nem a capacidade de aspirar a um futuro melhor. Há diversos livros e documentários nesse sentido, como Abusado, Falcão, meninos do tráfico e por ai vai.

Torna-se verossímil, para dizer o mínimo que há espaço para que “recrutadores” usem dos sentimentos de abandono, e da revolta desses jovens para cooptá-los para causas redentoras e revolucionárias, que na verdade são causas políticas que pretendem usar da violência para coagir e impor seu modo de ver o mundo. Não há provas (graças a Deus!) de que haja esse recrutamento no Brasil. Há indícios e acusações de que parte do financiamento dos grupos de fachada usados pelas organizações terroristas passe pelo Brasil. Mas, até o momento nossas comunidades islâmicas, judaicas, hindus, etc. têm se mantido fieis ao espírito pacifista intrínseco as religiões. E são cidadãos brasileiros como outros quaisquer, com seus tabus alimentares e de comportamento, mas brasileiros. Ainda que muito sejam positivos quanto a grupos terroristas, que se arrogam o titulo de grupos de resistência. Mas, muitos desses que são simpáticos não são nem religiosamente, nem por ascendência ligados aos povos da região do Oriente Médio. Ok, isso foi uma enorme digressão para dizer o óbvio, islamismo não é sinônimo de intolerância e terrorismo, nem judaísmo/cristianismo é sinônimo de imperialismo.

O fato era que temia que esse ambiente penetrasse no tecido social brasileiro complicando relações que correm dentro da normalidade, contudo, a evolução do tema trouxe outros aspectos a tona, o principal foi o nacionalismo brasileiro (igualmente paranóico na esquerda e na direita), já escrevi aqui sobre grupos nacionais que desejam abertamente que o Brasil domine todo o ciclo nuclear, o que necessariamente implica em dominar tecnologias de fabricação e emprego de armas nucleares, não obstante as proibições legais para isso.

É interessante que o debate venha a tona com mais força agora que o Brasil tenta convencer a comunidade internacional que é um interlocutor capaz de estabelecer confiança entre o Irã e a AIEA, e mais faz isso calcado na certeza de que o programa da República Islâmica é pacifico e portanto condizente com os compromissos assumidos no TNP.

Assim, a diplomacia se esforça para enfatizar o aspecto eminentemente civil do programa nuclear iraniano, enquanto autoridades da república falam nos dilemas de segurança do Irã e na existência (não comprovada, mas certa) de armas nucleares em Israel, como fatores que tornariam necessárias as armas nucleares do Irã como elementos supremos de dissuasão.

E é nesse ponto da dissuasão nuclear que se refestelam os nacionalistas que vêem com entusiasmo a atuação brasileira, não por ser uma política assertiva de uma nação que pretende ser uma potência média global, além de o ser regionalmente. Ou por que seria uma política altaneira antiimperialista que não se dobra aos desejos “estadunidenses” ao melhor estilo “yankes go home”. Mas, sim por verem nessa política um passo firme ruma a rejeição total do protocolo adicional do TNP e como uma denúncia do caráter desigual do TNP que, portanto seria uma humilhação a ser revertida.

Esses nacionalistas nunca se resignaram com adesão do Brasil ao Tratado de Não-Proliferação, ato que desprezam e o tratam como ato de subserviência. Seus motivos são embasados numa suposta excepcionalidade de recursos naturais do Brasil, ou seja, a velha paranóia com a invasão e perda de soberania sobre a Amazônia, alias noção tão arraigada que a Marinha do Brasil para amealhar mais fundos para seus programas usa a imagem de que a costa atlântica seria a “Amazônia Azul”. Quando confrontados com a análise de que não há inimigos imediatos nem ameaças que justificam a necessidade de armamentos nucleares, esses grupos em geral usam o argumento do patriotismo, ou o mais válido argumento de que as potências nucleares não se desarmam, por isso não seria útil ao interesse nacional concordar com um regime de inspeções mais severas e sem aviso prévio. Isso sob o argumento de proteção dos segredos industriais brasileiros. (alias já escrevi sobre isso).

Um bom efeito colateral desse debate foi ter colocado no mapa da discussão midiática, acadêmica e política as definições de interesse nacional e o debate de que Brasil queremos, de que imagem de Brasil queremos projetar, que tipo de ator internacional queremos ser, entre outros debates necessários. E mais essa questão nuclear desnudou os nacionalistas que existem entre nós e seus argumentos, por vezes simplistas que colocam os antagonistas como seres vendidos, ou lacaios do império, traidores da pátria, vira-latas, inocentes, idealistas ou “brasileiros malgerados” nas infames palavras do Cel. Paulo Ricardo da Rocha Paiva, em artigo publicado no jornal “Correio Braziliense”, reproduzido, pelo colega Daniel Cardoso em seu blog – Política Externa –. Reitero não é a primeira vez nem será a ultima que escrevo sobre isso. E esse debate desnudado é muito importante para que decisões importantes não sejam tomadas longe do controle público que é importante numa democracia.

Muitos esperam de mim direitismos ou até mesmo um reacionarismo, sim tenho posições que poderiam ser entendidas como conservadoras, mas se tem algo que não sofro é de patriotismo acrítico, que glorifica e exalta o Estado e suas ações. Creio que é dever de todo cidadão ser crítico e criterioso na avaliação das políticas governamentais, mas entendo que há quem confunda patriotismo com patriotada. Fora os que defendem posições nacionalistas têm esse direito, não podem, contudo, tentar pautar o debate em termos pró e contra Brasil, apenas por que se crê, por exemplo, que armas nucleares não servem ao interesse nacional.

Em termos pessoais considero que tanto os recursos financeiros e humanos que seriam devotados para o objetivo de construir uma arma nuclear seriam mais úteis aplicados em pesquisa e desenvolvimento de fontes de energia, sistemas nacionais de lançamento de satélites (VLS), melhorias de infra-estrutura e pesquisas na área de tecnologia e saúde, principalmente saúde, e não escrevo isso só por que eu contraí dengue duas vezes esse ano. Essas coisas fariam do Brasil um país melhor de se viver, mais produtivo e menos pobre.

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