Como analista profissional de relações internacionais, independente, não me compete exaltar ações do estado (ou de qualquer ator, ou líder) por exaltar, nem criticar por criticar*. Ainda não temos dados mais concretos sobre o acordo, por enquanto, temos apenas relatos midiáticos e opiniões mais ou menos embasadas. Temos visto pesquisadores, scholars, falando sobre o acordo sobre a região. Políticos e partidos agindo e reagindo e toda sorte de hipótese sendo aventada, aqui mesmo nesse blog há uma série de textos que refletem sobre as conseqüências possíveis e já mensuráveis das relações com o Irã, principalmente nessa fase aguda de estreitamento.
Uma forte hipótese que tem sido levantada em meios nacionais e internacionais e até por governos seria de uma suposta ingenuidade da política externa brasileira, e do próprio presidente Lula, que estaria a ser como chegou a dizer uma conceituada revista “um idiota útil”. Posso até dizer que há um quê de idealpolitik nas ações internacionais do Brasil, mas não há ingenuidade nos altos escalões da República Federativa do Brasil, basta olhar as histórias de vida e a trajetória dos que ocupam esses cargos, de seus conselheiros e assessores.
Meus caros, é impossível para mim, crer que um governo composto de ex-guerrilheiros, de funcionários do estado de carreira e de políticos profissionais seja ingênuo. Há uma agenda, há uma lógica interna nessas ações e há cálculos políticos. E claro há ambições pessoais de prestigio, além da possibilidade de existirem motivos inconfessáveis ou apenas ideológicos. Pode haver nesse caso, um idealismo (e eu não dou nenhum caráter positivo ou negativo a palavra idealismo, por a noção de um ideal utópico para uns, pode ser distópico para outros).
Mas, a pergunta que continua a me incomodar todo o tempo é a mesma de sempre o que ganha o Brasil se envolvendo nessa questão? Alguns dizem que é prestigio internacional. Outros dizem que demonstramos a capacidade de negociação que nos coloca no caminho de ser um membro permanente de um eventual Conselho de Segurança reformulado. Outros mais cínicos dizem que todo esse movimento atenderia a uma necessidade de protagonismo do próprio presidente, que pretenderia receber um prêmio Nobel, ou liderar algum grande organismo multilateral.
É válido aventar as intenções de um líder, é fato notório, que o caráter e as idiossincrasias dos tomadores de decisão são fatores que devem ser levados em conta, quando analisamos a formulação de uma política externa, afinal, a política não é feita por autômatos e sim por seres humanos, ainda que alguns idealizem tanto seus líderes que atribuem a esses uma sabedoria inata sobre-humana, quase se não divina.
Tendo em vista esses fatores, reitero, que não aceito como válida empiricamente a idéia de ingenuidade, os membros de governos estrangeiros que dizem isso, sempre em off é claro, o fazem por que convém na linguagem diplomática não hostilizar diretamente líderes de nações amigas, ou que se mantém relações normais. Refiro-me a Israel, que pode não ter uma relação próxima e “afetuosa” com o atual governo brasileiro, mas tem um bom histórico de boas relações com o Brasil. Dizer que o Brasil é ingênuo ou inexperiente em assuntos do Oriente Médio é um meio de mostrar descontentamento sem acirrar os ânimos.
Refutada a hipótese de ingenuidade nos resta descobrir as razões para o envolvimento da forma que está se dando, ou seja, indo fortemente contra a “comunidade internacional” (nesse contexto leia Europa, EUA, Israel e potências árabes e emergentes). A isso se pode dar o nome de independência, contudo, demonstrar uma posição independente, somente para ser contrário a potências dominantes é política “adolescente” e não autônoma. Uma hipótese que surge forte é que isso seria uma demonstração de que a política externa nacional estaria a romper os limites de poder das potências médias, que na literatura das relações internacionais têm seu comportamento normalmente ligado ao multilateralismo, a segurança nos números, por assim dizer.
Então o desejo de agir no Oriente Médio seria uma demonstração de que a ambição política nacional está em um patamar diferente do que tradicionalmente era tido como postura do Brasil, nesse caso o envolvimento e mediação seria a forma de mostrar que o status de emergente (de BRIC) nos capacita a atuar em todo e qualquer cenário. Essa pode ser muito bem a ambição dos artífices dessa posição nacional, contudo, ela esbarra em falta de recursos de poder, esbarra na capacidade de poder, por exemplo, pressionar o Irã a cumprir o acordo que avalizamos, ou seja, nos falta a capacidade de impor ao Irã o adimplemento dessa obrigação. E isso torna a participação, algo mais vazio de conteúdo, essa linha de argumento pode ser aferida, de certo modo, na falta de um compromisso por parte do Irã de não continuação de seu enriquecimento de Urânio, pelo menos até que se tenha certeza das intenções desse país, via inspeções da AIEA.
Outra hipótese é a que pode estar a ser aventada por potências estrangeiras. Hipótese essa de que o Brasil estaria se alinhando ao Irã, não só para evitar sanções, como também, para reforçar sua posição contrária a adesão ao Protocolo Adicional do TNP, que poderia estar a esconder intenções armamentistas do Brasil, não obstante a existência, de vários compromissos legais que impeçam o governo de buscar esse objetivo. Essa desconfiança pode gerar conseqüências ao Brasil, ainda mais, por que o Brasil tem sérias restrições ao Protocolo Adicional, a justificativa oficial é de que o tratado que ai está exporia os segredos industriais nacionais, além de ser um fardo humilhante imposto pelas potencias nucleares as não nucleares. Essa leitura, contudo, enseja uma saída negociada a adesão ao protocolo com clausulas de salvaguardas tecnológicas, e talvez seja para reforçar essa posição que o Brasil esteja jogando um jogo pesado, no Oriente Médio.
Não há evidências para apontar quais dessas hipóteses correspondem aos fundamentos dos cálculos políticos da diplomacia nacional. Fica claro que o assunto é complexo e com muitas e importantes conseqüências, que estão ligadas ao comportamento do Irã e dos demais atores envoltos na questão, por que uma eventual nova rodada de sanções contra a República Islâmica sinalizaria que o Brasil ainda não é tão relevante como se supõe. Caso não ocorram as sanções e o Irã insista em manter a ambigüidade em seu programa nuclear, o Brasil pode ser visto como o ator que ganhou tempo para Irã, o que suscitará a questão de por que o Brasil fez isso – uma vez que a ingenuidade já foi descartada – e mais pode acirrar ainda mais os ânimos na região, já que uma inatividade do CS pode levar a Israel (que é ameaçada de ser varrida do mapa pelo regime de Teerã) a agir unilateralmente detonando uma conflagração militar perigosa.
De todo modo foi um passo audacioso feito pela política externa brasileira, que pode trazer conseqüências duradouras, ou ser visto como um ato voluntarista de diplomacia presidencial, sem políticas de substancia a apoiá-lo, ou seja, mais um ato cheio de palavras e intenções, mas sem nada de concreto, além de um foto e uma mitologia pessoal. Ou foi uma política de intermediação (broker) típica de uma potencia emergente que deseja, por vocação, ou por estratégia a fim de alcançar um fim que sirva o interesse nacional, ser uma ponte entre Oriente e Ocidente e/ou Norte e Sul e/ou ricos e pobres, um papel, sem dúvidas, complexo que esbarra em agendas de outros países emergentes, basta acompanhar as negociações comerciais para perceber isso, além de que um papel desses exige muito mais que um presidente bem quisto (the man) e da simples expansão da malha de embaixadas e consulados. O que não dá para comprar é a hipótese estapafúrdia de ingenuidade.
* Ando com essa antipática “mania” de me explicar a priori, novamente o faço, não por temer o controverso, mas para ser entendido. O que pensando bem não está ao meu alcance, já que não posso controlar o que as pessoas entendem dos meus textos, o máximo que posso fazer é tentar me explicar da melhor maneira possível.
Comentários
Concordo que tudo é calculado, e que o governo nao é ingenuo, mas sinceramente nao vejo mais do que a prenteçao de mostrar ao SI que agora, mais do que nunca, o Brasil abandonou a tao usada política "de cima do muro", e que tem políticas bem definidas pros diferentes parceiros, o que acredito que seja mto bom, mas que nao interfere profundamente nas decisoes dos Estados que regulam o Sistema.